O deuteron
Notas de aula são propriedade intelectual. Sendo assim, qualquer uso, no todo ou em parte, deve ter a origem referenciada apropriadamente, após autorização de seu autor.
O texto a seguir corresponde à anotações parciais de aula. Não é um texto em forma final, completo e totalmente revisado. Nesse caso, esse texto não tem como objetivo substituir livros sobre o assunto. Assim, esse texto deve ser entendido apenas como um guia de estudo para o aluno acompanhar a disciplina.
Vamos estudar em detalhes o dêuteron. A partir da construção de um modelo simples para a interação entre próton e nêutron, comparando os resultados desse modelo com medidas experimentais de elevada precisão, tentaremos inferir propriedades sobre as forças nucleares fortes que tornam o núcleo estável.
Vamos inicialmente listar algumas informações experimentais sobre o dêuteron. Como elas são determinadas em detalhes não vêm ao caso nesse momento:
- Energia de ligação do dêuteron: medidas indicam que só há um estado ligado do dêuteron com energia de ligação
MeV. Alguns métodos de medidas foram discutidos anteriormente.
- Raio o dêuteron: medidas de espalhamento de elétrons indicam que o raio do dêuteron é aproximadamente 2.1 fm.
- Momento angular e paridade: medidas através de métodos ópticos e micro-ondas indicam que o momento angular total do dêuteron é
. Através de medidas de desintegrações nucleares, através da conservação da paridade e comparação com modelos teóricos, mostram que o dêuteron deve possuir função de onda par.
- Momento de quadrupolo elétrico: Medidas realizadas na década de 1930 mostraram que o dêuteron é um núcleo prolato ao longo do seu eixo de spin, com momento de quadrupolo elétrico
barns.
- Momento de dipolo magnético: O momento de dipolo magnético do dêuteron pode ser obtido através de métodos de ressonância magnética, na qual pode-se ajustar um campo magnético oscilante de frequência igual à frequência de Lamour para o dêuteron. A frequência de Lamour está relacionada diretamente ao momento de dipolo magnético que, nesse caso, vale
, onde
é o magneton nuclear.
Primeiramente vamos olhar o momento de dipolo magnético. A soma do momento de dipolo do próton e nêutron vale


Vamos resolver a Equação de Schrödinger no centro de massa do sistema próton-nêutron. Sendo


Supondo que o potencial é central, podemos escrever a função de onda como sendo o produto de uma função radial por uma função que depende dos ângulos polar e azimutal, ou seja:

Nessa separação de variáveis, conserva-se o momento angular orbital relativo entre as partículas. A parte angular possui solução trivial (harmônicos esféricos) enquanto a parte radial contém toda informação acerca do potencial. Nesse caso, para entender a interação entre as partículas, precisamos resolver a equação radial:

O potencial mais simples que podemos utilizar para o dêuteron é um poço quadrado radial, ou seja:

O fato dele do potencial ser infinito a curtas distâncias representa a saturação da densidade nuclear, como visto no início da disciplina. A proximidade do momento de dipolo magnético do dêuteron com a soma dos momentos do próton e nêutron, como vimos, sugere que o momento angular relativo seja nulo. Assim, fazendo


Vamos resolver esse sistema para o estado fundamental do dêuteron, ou seja,



A equação (6) pode ser separada em duas, dependendo da região do potencial: ou seja, para


e, para


com




Aplicando as condições de contorno em


Dividindo as duas equações temos:

Resolvendo numericamente ou graficamente (11), usando os dados experimentais para



Nós já vimos, contudo, que o estado





Pelo fato do dêuteron possuir paridade definida, podemos misturar apenas estados de mesma paridade. Assim, as possíveis combinações são




O problema consiste em achar a função de onda para essa combinação de estados. Nós sabemos as funções de onda para estados bem definidos







Para o estado


Similarmente para o estado


No qual definimos uma notação mais simples




As equações (14), (15) e (16) representam as três combinações possíveis de estados tripletos de spin (



Para o estado




Para o estado



Como visto anteriormente, o operador de momento de dipolo magnético pode ser escrito como um termo orbital, que atua somente sobre o próton e um termo de spin, atuando sobre próton e nêutron. Assim,

Como o momento angular do próton é metade do momento angular relativo no centro de massa, temos:

A contribuição de momento de dipolo para o estado


O mesmo pode ser feito para o estado




onde:

Considerando que a função de onda do dêuteron deve ser normalizada, ou seja



Resultado similar pode ser obtido considerando o momento de quadrupolo elétrico (exercício). Contudo, o importante desse trabalho é concluir que o dêuteron é formado da combinação de dois estados de momento angular orbital diferentes, apesar da contribuição de

Exercícios
- Mostre que, no caso do dêuteron, considerando o potencial de interação com profundidade de 34 MeV e raio igual ao raio do dêuteron, há somente um estado ligado.
- Mostre que uma combinação de estados
e
não é capaz de explicar o momento de dipolo magnético do dêuteron.
- Mostre que
. Dica: Obtenha a função de onda de spin para o estado
. Esse estado aparece quando se calcula esse valor esperado.
- Obtenha a fração de mistura de estados
e
a partir do cálculo de momento de quadrupolo elétrico. Compare com o resultado obtido nessa aula.
Leitura recomendada
- Introductory Nuclear Physics, K. S. Krane, capítulo 4.1.
- Introdução à Física Nuclear, H. Schechter e C. A. Bertulani, capítulos 2.1-2.4.
three comments

Oi Suaide, estou com uma dúvida: a equação (9) da função de onda do deuteron no poço finito é um seno, devido à escolha da condição de contorno u(0)=0 na equação (7). Entretanto, o seno é uma função ímpar, e a paridade do neutron é positiva. Como a parte de spin é simétrica (up,up) e o momento angular é zero, a função espacial não deveria ser um cosseno (que é par)? Acho que isso não mudaria a profundidade do poço na solução da equação (11), mas a forma da função de onda seria bastante diferente, pois em r=0 haveria um máximo, não um mínimo!

Olá Caio
Corrigi as equações. Foi uma distração em uma delas e uma sequência de copy/paste que propagou o erro.
Sobre o seu segundo comentário, a questão da função ímpar. Lembre-se que o seno é só o termo radial e não a função de onda completa. Veja a equação (12) na aula sobre paridade em http://sampa.if.usp.br/~suaide/blog/?e=1..
O operador paridade troca o vetor r por menos r. VETOR! Isso resulta na manutenção do módulo ®, e a parte radial não muda o sinal. Nesse caso a paridade vem da parte angular. Como o momento angular orbital é par (l=0) a função de onda é par.
Uma pequena correção: nas equações (14), (15), (16), (17) e (18), acho que o estado de spin up e down do neutron deveria ser escrito u_{n}, ao invés de u_{d} (índice “n” no lugar do índice “d”, que pode confundir com o próprio deuteron).