O bóson de Higgs - the GOD(DAMN) Particle

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Hoje o CERN anunciou a descoberta de uma nova partícula que deve ser o bóson de Higgs. A brilhante idéia de Peter Higgs, dos anos 60, levou meio século para ser comprovada. Os experimentos ATLAS e CMS, do LHC, mostraram sinal de 5 sigmas de significância ou seja, a probabilidade desta medida ser apenas ruído é menor que 0.00006%. Hoje é um grande dia para a humanidade, que dá um importante passo na compreensão do universo. Esta é uma medida complexa, de experimentos também complexos. Gostaria de discutir alguns aspectos da importância deste evento para um público leigo em física, mas também curioso e ansioso por entender um pouco mais sobre este assunto.

A descoberta

Para descobrir o bóson de Higgs o CERN construiu ao longo de quase duas décadas o LHC (Large Hadron Collider), o acelerador de partículas mais energético construído pelo homem. Este acelerador, encravado aproximadamente a 150 m de profundidade no subsolo de Genebra, na Suíça, possui 27 km de circuncefência e é capaz de acelerar prótons com velocidade de 99.9999991% da velocidade da luz. Neste aceleradores prótons colidem um com o outro, onde são produzidas novas partículas. Quatro grandes experimentos foram montados para observar diferentes aspectos destas colisões: o CMS e ATLAS, cujo principal objetivo é medir o bóson de Higgs, o LHCb, no qual um dos focos é estudar o balanço de matéria e anti-matéria no Universo e o ALICE, que tem foco principal no estudo das propriedades da matéria que compunha Universo pouco tempo após o Big-Bang.

Hoje ATLAS e CMS revelaram ao mundo o bóson de Higgs, que são identificados a partir da análise cuidadosa (muita matemática, computação e criatividade) de figuras como as mostradas abaixo. Estas figuras são fotografias das colisões entre prótons onde há grande probabilidade de ter sido produzido um bóson de Higgs.


Evento do CMS


Evento do ATLAS


Acontece que o bóson de Higgs não é fácil de encontrar. Ele vive pouco tempo, algo da ordem de 10-20 segundos ou menos (0,00000000000000000001 segundos). Ele desaparece, se transformando (chamamos isso de decaimento) em outras partículas comuns no dia a dia de quem trabalha com aceleradores. É assim com a grande maioria das partículas exóticas, não só com o bóson de Higgs. Nós físicos, ao longo de décadas, aprendemos a procurar por partículas assim. Procuramos pelas partículas filhas do decaimento dela, combinando-as estatisticamente, deste modo reconstruindo as propriedades da partícula original. Uma das propriedades reconstruída é a massa da partícula original. Uma das muitas formas de decaimento do bóson de Higgs é em dois fótons. No dia a dia fótons são reconhecidos como partículas de luz, raios-x, raios gama, ondas de rádio, infra-vermelho, etc. Ele assume vários nomes, dependendo da energia que eles carregam. Bom, estes fótons são muito energéticos e nós chamamos eles de raios gama. Pois bem, combinando estes fótons e calculando a massa da partícula que os originou, obtemos algo parecido com a figura abaixo, que chamamos de espectro. Nele nós vemos a quantidade de vezes que obtemos uma determinada massa quando combinamos dois destes fótons.

Espectro de massa do experimento CMS.

A maioria das vezes estes dois fótons não vêem de uma partícula bem definida, gerando um fundo contínuo. Nesta figura, porém, vê-se uma saliência por volta de 125 GeV, indicando que estes fótons são provenientes do decaimento de uma partícula. Neste caso, o bóson de Higgs. Visto assim parece fácil, mas não é. Para chegar em uma figura como esta bilhões de colisões são produzidas e analisadas. E não é só este decaimento que é analisado. Há muitos outros possíveis para o bóson de Higgs que também são investigados. É um trabalho árduo de milhares de cientistas no mundo inteiro. Mais detalhes sobre as análises dos experimentos ATLAS e CMS podem ser encontrados aqui e aqui.

A importância do bóson de Higgs

O Modelo Padrão é a teoria em física que explica as partículas que compõe tudo que conhecemos e como elas interagem entre si. Todas as milhares de partículas conhecidas no Universo são originadas de um punhado pequeno de partículas fundamentais divididas em duas categorias: os férmions e os bósons.

Os férmions são separados em dois grupos: os quarks e os léptons. Conhecemos 6 quarks e 6 léptons, além das suas respectivas anti-partículas.

Os bósons conhecidos são quatro (ou cinco, se separarmos o W em W+ e W-). Estes bósons são os responsáveis por gerar as interações entre os férmions, combinando-os e gerando outras partículas e a matéria macroscópica. São eles: o glúon, o fóton, o Z, W+ e W-.

Cada um destes bósons é fundamental para que o Universo seja como ele é. O glúon é o responsável pela interação forte. Ou seja, se não fosse o glúon os quarks não se combinariam nos hádrons, formando, por exemplo, o próton e o neutron. Se não fosse por eles, também não existiriam os núcleos atômicos, como o núcleo de carbono e oxigênio, por exemplo.

Os bósons Z e W são responsáveis pela interação fraca. Esta interação é extremamente importante na conversão de um tipo de quark em outro, por exemplo, o quark charm se transformando em quark strange. Sem essa interação o decaimento beta não existiria e a composição química dos isótopos atômicos seria bem diferente do que é no Universo. Grande parte da matéria pesada do Universo, por exemplo o ferro, é proveniente de explosões de estrelas supernovas e essas explosões produzem núcleos atômicos com um desbalanço muito grande entre prótons e nêutrons. O decaimento beta faz com que neutrons se transformem em prótons (ou vice-versa), estabelecendo o balanço que observamos atualmente.

O fóton, o último desses bósons, é o responsável pela interação eletromagnética. Sem ela não existiriam átomos, não existiriam moléculas, DNA, células, etc. Enquanto a interação forte e fraca têm importância fundamental na formação das partículas e núcleos e nas suas propriedades, o fóton é importantíssimo nas interações em escalas atômicas e moleculares bem como nas escalas típicas do nosso dia a dia. O fóton é responsável pela luz que enxergamos, pela transferência de energia do Sol para o planeta, propriciando elementos para a vida, pela aglutinação de moléculas em compostos complexos, como cristais, células, líquidos, sólidos, etc. Sem o fóton não existiria o mundo macroscópico como conhecemos hoje.

O interessante disso tudo é que o modelo padrão, com esses bósons, não consegue explicar porque as partículas fundamentais têm massa. Porque a matéria “pesa”. Se as partículas não tivessem massa, o Universo seria bem diferente do que é. Um elétron sem massa, por exemplo, faria com que não existissem átomos, mesmo com o fóton lá para fazer a interação. Deste modo, a vida como ela é não existiria. Várias teorias para explicar a origem da massa foram formuladas nas últimas décadas. Uma delas, que veio a se tornar a mais aceita pela comunidade, nasceu de uma idéia de Peter Higgs, nos anos 60. A ciência vive de fatos. Como o Universo é e não como gostaríamos que ele fosse. Ou seja, teorias precisam ser testadas em experimentos. Por isso (não apenas isso) nasceu o LHC. Nesta ideia de Peter Higgs, a massa seria criada pela interação das partículas com um campo (o campo de Higgs), causando uma espécie de dificuldade de movimento destas partículas neste campo. Este dificuldade de movimento causaria a sensação de inércia nas partículas, ou seja, a massa. O bóson associado a esse campo é o bóson de Higgs. É como se você pensasse no movimento de um corpo em uma piscina de água. Dependendo do corpo há uma maior ou menor dificuldade de movimento. Essa água seria o equivalente ao campo de Higgs e as moléculas de H2O, que compõem a água, seria o análogo ao bóson de Higgs. Cada partícula interage de uma forma com este campo adquirindo, portanto, diferentes valores de massa. Quem interage pouco tem pouca massa e quem interage muito fica bem pesada.

Com a descoberta do bóson de Higgs dá-se um importante passo no entendimento da origem da massa das partículas e, consequentemente, do porque o Universo é como é.

A partícula de Deus

Não há dúvida da importância do bóson de Higgs para o Universo. Mas tão importante como ele é o glúon, o Z, W e o fóton. O Universo é como é por conta de todos estes bósons, cada um com um papel fundamental na definição das propriedades e características do que observamos. Então porque o bóson de Higgs é chamado de partícula de Deus?

Este termo surgiu com o livro “The God Particle: If the Universe Is the Answer, What Is the Question?” escrito por Leon Lederman, Prêmio Nobel. Neste livro ele explica a importância do bóson de Higgs no Universo e tenta justificar a construção de um acelerador de partículas que ele ajudou a conceber, o SSC (Superconducting Super Collider), que não foi construído. Mas o título original deste livro, segundo contam, seria “The Goddamn Particle” ou, a partícula maldita, pela sua dificuldade em ser observada tamanha a sua importância para a ciência. Acontece que os editores achavam este título um pouco ofensivo, com o potencial de prejudicar as vendas. Desta forma o título foi alterado e surgiu a polêmica toda relacionando ciência e religião, centrada na descoberta ou não do bóson de Higgs. Ou seja, uma jogada de marketing. Como disse uma vez o Prof. Fleming, aqui do IFUSP: "Se Deus existe, todas as partículas são dele, não apenas o bóson de Higgs. Exceto o neutrino, que deve ser coisa do capeta.";
Alexandre Wednesday 04 July 2012 at 09:32 am | | divulga

two comments

Alexandre

Só agora percebi que os comentários deste post sumiram. Deve ter sido durante um update que fiz há poucos dias. Vou tentar recupera-los. Desculpem.

Alexandre, - 31-07-’12 07:11
Tadeu Nunes de Souza

Caro professor Alexandre, quero parabenizá-lo pelo texto. Sua escrita é muito clara e elegante. Esclareceu algumas dúvidas que eu tinha sobre o assunto.
Fui seu aluno no Encontro USP escola – Intrudução ao Arduíno. Caro professor, permita-me sugerir um tema: “O Paradoxo de Olbers”. Procurei e li vários textos sobre o referido paradoxo, porém, infelizmente, nenhum me satisfez no sentido de entender como explicar o paradoxo. Grato. Tadeu Nunes de Souza

Tadeu Nunes de Souza, - 23-07-’16 23:33
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