A massa do núcleo

These icons link to social bookmarking sites where readers can share and discover new web pages.
  • Facebook
  • Google
  • Twitter
Versão para impressão

Notas de aula são propriedade intelectual. Sendo assim, qualquer uso, no todo ou em parte, deve ter a origem referenciada apropriadamente, após autorização de seu autor.

O texto a seguir corresponde à anotações parciais de aula. Não é um texto em forma final, completo e totalmente revisado. Nesse caso, esse texto não tem como objetivo substituir livros sobre o assunto. Assim, esse texto deve ser entendido apenas como um guia de estudo para o aluno acompanhar a disciplina.

Assim como o raio, a massa do núcleo é uma importante grandeza a ser obtida para cada isótopo disponível. Conhecer as massas nucleares permite aprofundar o entendimento acerca da estrutura dos núcleos, sua estabilidade, abundâncias, etc. As massas nucleares também desempenham papel fundamental no entendimento do balanço energético em reações nucleares.

Medidas de massas nucleares com elevada precisão necessitam de aparatos experimentais sofisticados. Em geral, espectrômetros de massa de alta precisão são utilizados. Na figura 1 vemos um esquema típico de um espectrômetro de massa. A figura 2 mostra uma foto de um espectrômetro de massa.


Figura 1 - Espectrômetro de massa típico (Introductory Nuclear Physics, K. S. Krane).




Figura 2 - Foto de um espectrômetro de massa.

Um espectrômetro típico consiste de uma fonte de íons, da qual os elementos que serão analisados são extraídos e acelerados. A medida de uma massa nuclear consiste na medida do momento desses íons e de suas velocidades. A correlação entre momento e velocidade permite a determinação da massa. Em geral a medida de velocidade é feita utilizando um filtro composto de campos elétricos e magnéticos, alinhados de modo que a força de Lorentz (\vec{F}=q(\vec{E}+\vec{v}\times\vec{B})) seja nula apenas para uma velocidade selecionada pelo aparato. Na figura 1, o filtro de velocidades utilizado é o filtro de Wien, no qual a força de Lorentz é nula se:

v=\frac{E}{B}     (1)

A medida de momento é feita, em geral, utilizando-se campos magnéticos. Um campo magnético uniforme faz com que uma partícula de velocidade v percorra uma trajetória circular cujo raio vale:

qvB = \frac{mv^2}{R} \rightarrow  R = \frac{mv}{qB}     (2)

Um detector sensível à posição, na saída do espectrômetro, permite determinar a posição de saída da partícula e, consequentemente, o raio da trajetória. Conhecendo a velocidade do seletor e a carga do feixe, pode-se obter as massas das partículas que o compõe com elevada precisão. A figura 3 mostra espectro de massa para o chumbo natural. Além de permitir a medida de massa com elevada precisão, permite a medida das abundâncias relativas de cada isótopo. Hoje em dia é possível realizar medidas de massa com precisão de 1ppm.

Figura 3 - Espectro de massa para chumbo natural. Figura retirada desse site.

A massa de um núcleo é sempre menor que a massa de seus constituintes. A diferença entre a massa de seus constituintes e a massa do núcleo é denominada de energia de ligação do núcleo. Em física atômica, a energia de ligação dos elétrons é muito pequena (alguns eV a poucas centenas de eV) se comparada à massa do átomo. Nesse caso, a energia de ligação é usualmente desprezada no cálculo da massa atômica. No caso da física nuclear a energia de ligação não é desprezível, constituindo uma fração significativa da massa total do núcleo. Assim a partir da definição de energia de ligação, podemos escrevê-la, para um núcleo contendo Z prótons e (A-Z) nêutrons, como:

B(Z,A) = Zm_pc^2 + (A-Z)m_nc^2 -m_{(A,Z)}c^2     (3)

Essa relação entre massa e energia pode ser utilizada para realizar medidas de massa usando reações nucleares. Seja uma reação:

A + B \rightarrow C + D

Aplicando a conservação de energia nas partículas antes e depois da reação, temos:

T_A + m_Ac^2 + T_B + m_Bc^2 = T_C + m_Cc^2 + T_D + m_Dc^2     (4)

onde T_i e m_i correspondem a energia cinética e massa da partícula i. Reagrupando a equação (4), define-se o valor Q da reação como sendo:

Q = (T_C + T_D) - (T_A + T_B) = (m_Ac^2 + m_Bc^2) - (m_Cc^2 + m_Dc^2)     (5)

Ou seja, medindo-se as energias cinéticas das partículas e conhecendo-se a massa de pelo menos três dessas partículas, a massa da quarta partícula fica determinada. O valor Q tem importância ímpar no estudo de reações nucleares. Por exemplo, Q>0 indica que parte da massa do sistema foi convertida em energia cinética. Nesse caso, diz-se que a reação é exotérmica. Se Q<0 parte da energia cinética foi convertida em massa, indicando uma reação endotérmica. Usando a equação (3), podemos escrever o valor Q em termos de energia de ligação, supondo que haja conservação de número de prótons e nêutrons, como:

Q =  (B_C + B_D) - (B_A + B_B)     (6)

Outra maneira de representar massas é através de uma grandeza chamada "excesso de massa". Para um núcleo qualquer, o excesso de massa é definido como:

\Delta = m(a.m.u) - A     (7)

nesse caso, a massa é dada em unidades de massa atômica (a.m.u.), sendo 1 a.m.u = m(12C)/12. Por definição, o excesso de massa do 12C é zero. Aplicando (7) em (5), podemos escrever que o valor Q de uma reação também pode ser escrito como, caso o número de prótons e nêutrons se conservem:

Q =  (\Delta_Ac^2 + \Delta_Bc^2) - (\Delta_Cc^2 + \Delta_Dc^2)     (8)

A razão para escrever o valor Q em termos de energia de ligação ou em termos de excesso de massa (ou até mesmo a.m.u.) vem do fato de que algumas tabelas de massas de nuclídeos apresentarem uma ou outra grandeza. Tabelas com excesso de massa são, contudo, muito comuns.

Vamos, por exemplo, olhar a seguinte reação de fusão entre deutêron e trítio, formando hélio e um neutron:

d + t \rightarrow He + n

Consultando uma tabela de massas, temos m_d = 2.014102(a.m.u), m_t = 3.016049(a.m.u), m_He = 4.002602(a.m.u) e m_n = 1.008665(a.m.u). Sabendo que 1(a.m.u) = 931.502MeV/c^2, o valor Q da reação acima é:

Q = (m_dc^2+m_tc^2)-(m_{He}c^2+m_nc^2) = 0.018884(a.m.u)c^2 = 17.58955MeV

Ou seja, cada reação desse tipo tem o potencial de liberar ~ 17.6 MeV de energia. Essa é considerada uma reação importante em processos de fusão para geração de energia.

Olhando a equação (6) logo concluímos que reações que liberam energia são aquelas que geram um sistema de maior energia de ligação, ou seja, um sistema mais fortemente ligado, mais estável.


Figura 4 - Energia de ligação por nucleon para os núcleos conhecidos (G. Audi and A.H. Wapstra Experimental Mass Data, Nucl. Phys. A565, 1 (1993)).

A figura 4 mostra a energia de ligação por nucleon para todos os núcleos conhecidos com massas medidas (G. Audi and A.H. Wapstra Experimental Mass Data, Nucl. Phys. A565, 1 (1993)). A primeira conclusão que chegamos é que núcleos com A ~ 50-60 possuem maior energia de ligação por nucleon, ou seja, são aqueles mais estáveis, na região do ferro. Olhando essa figura, somos induzidos a concluir que as reações exotérmicas mais comuns para núcleos leves (A < ferro) é a fusão enquanto para núcleos pesados (A > ferro) é a fissão. Isso explica porque estrelas liberam energia através da fusão nuclear proporcionada pela pressão gravitacional e que a fusão deixa de ser um processo viável para uma estrela quando os seus constituintes são predominantemente núcleos na região do ferro, gerando o seu colapso e, em alguns casos, explosão em Supernova.

Com base nas evidências sobre a dependência do raio nuclear com o A1/3 e na energia de ligação por nucleon ser aproximadamente constante para núcleos mais pesados, não demorou muito para ser feita a analogia entre o núcleo e uma gota líquida, principalmente por conta das interações moleculares serem residuais, do tipo Van der Waals, fazendo com que as moléculas interajam apenas com as vizinhas mais próximas, tornando a energia de ligação total de uma gota proporcional ao número de moléculas.

Nos anos de 1930 Weizsacker propôs um modelo empírico para o núcleo com base na estrutura de uma gota líquida. Esse modelo se mostrou razoavelmente satisfatório para explicar as massas nucleares e estabilidade nuclear. Falha, contudo, em explicar várias propriedades eletromagnéticas e quânticas do núcleo. Contudo, devido à sua simplicidade ainda é bastante utilizado.

No modelo da gota líquida, podemos escrever que a massa do núcleo corresponde à massa das suas "moléculas" constituintes (massa dos prótons e neutrons) subtraida termos que descrevem a sua energia de ligação, conforme a equação (3), separada em várias componentes. Assim, segundo o modelo da gota líquida, a energia de ligação de um núcleo vale:

B(A,Z) =  a_v A - a_s A^{2/3} - a_c Z^2A^{-1/3} - a_a (A-2Z)^2A^{-1} - \delta     (9)

Dependendo do texto adotado, há pequenas diferenças entre fórmulas de massa apresentadas. Isso resulta em coeficientes ligeiramente diferentes. Prestem atençao! A fórmula mostrada acima é a mesma apresentada no Fundamentals of Nuclear Physics, N. A. Jelley. Vamos olhar cada termo separadamente:
  1. o termo a_v A, denominado termo de volume, vem do fato que, em primeira aproximação, principalmente para núcleos mais pesados, podemos assumir que a energia de ligação é proporcional ao número de constituintes do núcleo. Esse termo sugere que a força nuclear é de curto alcance, pois a energia de ligação por nucleon é constante, o que significa que cada nucleon interage apenas com os seus vizinhos mais próximos. Se a força nuclear fosse de longo alcance como, por exemplo, a coulombiana, seria esperado que cada nucleon interagisse com (A-1) nucleons, tornando esse termo proporcional a A(A-1).
  2. o termo a_s A^{2/3}, chamado de termo de superfície, também vem da analogia com uma gota líquida, na qual as partículas da superfície da gota estariam menos ligadas que as do seu interior. Como a área da superfície é proporcional ao raio ao quadrado, o termo de superfície, que diminui a energia de ligação, seria proporcional à A^{2/3}.
  3. o termo a_c Z^2A^{-1/3}, demominado termo coulombiano, surge da presença de prótons no interior do núcleo. Como a carga dos prótons é positiva, há uma repulsão entre eles, diminuindo a energia de ligação. Em uma esfera uniformemente carregada, a energia coulobiana é proporcional à carga ao quadrado e inversamente proporcional ao raio da esfera. Por isso surge esse termo.
  4. o termo a_a (A-2Z)^2A^{-1}, denominado termo de assimetria, surge devido ao fato de núcleos serem formados por prótons e neutrons. Se tomássemos apenas os termos acima, a energia de ligação seria máxima se Z = 0. Núcleos possuem carga, é um fato. Esse termo surge por conta da estrutura interna dos núcleos necessitar que haja um certo balanço entre prótons e neutrons. Esse balanço ficará mais claro quando discutirmos o modelo de gás de Fermi para o núcleo. Se houver uma assimetria muito grande entre prótons e neutrons, haverá muitos nucleons acima do nível de Fermi do sistema, diminuindo sua estabilidade. Assim, esse termo deve ser proporcional a (Z-N)^2 \rightarrow (A-2Z)^2 e inversamente proporcional ao volume, ou seja, A.
  5. o termo \delta, chamado de termo de emparelhamento, surge da observação experimental que o acoplamento entre dois prótons ou entre dois nêutrons é maior que entre um próton e um nêutron, tornando núcleos mais ou menos estáveis. Veja um exemplo na figura 5. Isso está relacionado à acoplamento entre os spins desses nucleons. Assim, esse termo é composto da seguinte forma:
    1. \delta = + a_p A^{-3/4} para núcleos com N e Z ímpares, ou seja, A par.
    2. \delta =0 para núcleos com A ímpar.
    3. \delta = - a_p A^{-3/4} para núcleos com N e Z pares, ou seja, A par.

Figura 5 - Efeito do termo de emparelhamento na massa nuclear.

Os parâmetros a_i são obtidos a partir de ajustes aos dados experimentais para massas nucleares. Um exemplo é mostrado na figura 6. Um bom ajuste resulta em a_v = 15.8\,MeV, a_s = 18.0\,MeV, a_c = 0.72\,MeV, a_a = 23.5\,MeV e a_p = 33.5\,MeV (Fundamentals of Nuclear Physics, N. A. Jelley), apesar de outros conjuntos de parâmetros fornecerem resultados satisfatórios.


Figura 6 - Modelo da gota líquida ajustado às massas de núcleos estáveis. Retirado dessa pagina.


Exercícios

  1. Deduza a expressão para a energia coulombiana de uma esfera uniformemente carregada de carga Ze e raio r_0A^{1/3}. Compare com o termo coulombiano do modelo da gota líquida.
  2. A partir das massas conhecidas para os núcleos 15O e 15N, compute a diferença de energia de ligação entre eles. Assumindo que essa diferença de energia seja devida somente à repulsão coulombiana, calcule os raios nucleares desses núcleos.
  3. O núcleo de 8Be é instável e quebra em duas partículas α. Explique porquê?
  4. Dica: consulte o site http://www.nndc.bnl.gov/chart/ para informações sobre nuclídeos em geral.

Leitura recomendada

  1. Introductory Nuclear Physics, Krane, capítulo 3.2.
  2. Introdução à Física Nuclear, Schechter e Bertulani, capítulo 3.3.
  3. Fundamentals of Nuclear Physics, N. A. Jelley, capítulo 2.1.
Alexandre Sunday 21 February 2010 at 9:06 pm | | FisicaNuclear

No comments

(optional field)
(optional field)
To prevent automated commentspam we require you to answer this silly question
Para previnir spam nesta página nós solicitamos que você responda a seguinte questão

Remember personal info?
Small print: All html tags except <b> and <i> will be removed from your comment. You can make links by just typing the url or mail-address.