Seção de choque de espalhamento Rutherford

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Notas de aula são propriedade intelectual. Sendo assim, qualquer uso, no todo ou em parte, deve ter a origem referenciada apropriadamente, após autorização de seu autor.

O texto a seguir corresponde à anotações parciais de aula. Não é um texto em forma final, completo e totalmente revisado. Nesse caso, esse texto não tem como objetivo substituir livros sobre o assunto. Assim, esse texto deve ser entendido apenas como um guia de estudo para o aluno acompanhar a disciplina.

Um dos conceitos mais relevantes para o estudo de colisões e, em especial, na Física Nuclear, é o conceito de seção de choque. As principais ferramentas de investigação na Física Nuclear são as medidas de partículas provenientes das colisões entre núcleos ou medidas de decaimentos de núcleos radioativos. Do ponto de vista prático, colisões em Física Nuclear são realizadas produzindo-se um feixe de partículas de características controladas (energia, área da seção transversal, divergência, composição química, intensidade, etc.) que é direcionado a um alvo, de espessura conhecida. Pode-se também colidir dois feixes de partículas, como em colisores de altas energias, tais como o RHIC e LHC. Em ambos os casos, com algumas exceções, as partículas produzidas são lançadas em todas as direções possíveis, determinadas de forma probabilística, já que é impossível controlar todos os parâmetros do sistema a nível individual, como orientações dos núcleos, parâmetro de impacto de cada colisão, etc. Um exemplo de partículas produzidas em uma colisão (simulação) entre dois feixes de ouro com energia de 200 GeV/A é mostrado na figura 1, instantes após a colisão ter de fato ocorrido. Imagine cada pequena esfera como sendo uma partícula emergindo de um ponto no centro da região definida por essas partículas.


Figura 1 - Partículas produzidas em uma colisão (simulação) entre dois feixes de ouro com energia de 200 GeV/A.

Para quantificar a ocorrência de determinado tipo de colisão, ou interação, define-se seção de choque total (σ) de um determinado processo físico como sendo a taxa de partículas desviadas de um feixe por um centro espalhador (dN/dt) por fluxo incidente (Φ) de partículas nesse feixe, ou seja:

\sigma = \frac{dN/dt}{\Phi}     (1)

Analisando a expressão (1), dN/dt possui unidade de [s]-1 enquanto Φ possui unidade de [s]-1[m]-2. Desse modo, seção de choque possui unidade de área. Em física nuclear, seção de choque é normalmente apresentada em unidades de barn (b) e seus submúltiplos, onde 1 b = 10-28 m2. O uso dessa unidade é justificável pois é a área típica da seção transversal de um núcleo atômico de diâmetro da ordem de 10-14 m.

Por outro lado, detectores capazes de medir todas as partículas produzidas em uma colisão são extremamente complexos e caros. Em geral, os detectores de um experimento são posicionados em uma determinada região no espaço, definida pelas suas coordenadas (r, θ, φ) e possuem uma área de detecção limitada. Essa área de detecção é quantificada pelo ângulo sólido do detector (ΔΩ), conforme mostra a figura 2.


Figura 2 - Ângulo sólido.

A figura 3 mostra as partículas medidas pelo experimento Phenix, no acelerador RHIC. Nessa figura pode-se notar que nem todas as partículas representadas na figura 1 são detectadas, pelo fato do experimento possuir detectores em região limitada espacialmente.


Figura 3 - Partículas detectadas pelo experimento Phenix, no acelerador RHIC.

Supondo um detector posicionado em (θ, φ) com ângulo sólido (ΔΩ) pequeno o suficiente. A seção de choque medida por esse detector é uma fração da seção de choque total, de modo que:

\Delta \sigma(\theta,\phi) = \frac{d\sigma}{d\Omega}\Delta\Omega     (2)

onde dσ/dΩ, função de (θ, φ), é chamada de seção de choque diferencial e é, em geral, a grandeza física medida em experimentos de colisões em Física Nuclear. Fazendo uma analogia com a expressão (1), podemos definir a seção de choque diferencial como sendo a taxa de partículas produzidas em uma colisão que esteja contida em um pequeno ângulo sólido no espaço por fluxo incidente, ou seja:

\frac{d\sigma}{d\Omega} = \frac{d^2N/d\Omega dt}{\Phi}     (3)

Vamos usar essa definição para calcular a seção de choque diferencial no caso do espalhamento Rutherford, discutido anteriormente. Para isso, basta calcular a taxa de partículas espalhadas em um ângulo sólido em uma região no espaço. De acordo com a figura 4, o número de partículas espalhadas entre θ + dθ e φ + dφ possui um correspondente unívoco com o número de partículas que interagem com o núcleo possuindo parâmetro de impacto b + db e ângulo φ + dφ.


Figura 4 - Seção de choque de espalhamento Rutherford.

Assim, podemos escrever que a taxa de partículas que atravessa um ângulo sólido dΩ que atinge o detector é:

\frac{d^2N}{d\Omega dt}d\Omega = - \Phi \cdot b \cdot db \cdot d\phi     (4)

O sinal negativo vem do fato de b diminuir quando θ aumenta. Substituindo d\Omega = \sin{\theta} d\theta d\phi temos:

\frac{d^2N}{d\Omega dt} = - \Phi \frac{b}{\sin{\theta}} \frac{db}{d\theta}     (5)

Substituindo (5) em (3), resulta que:

\frac{d\sigma}{d\Omega} = - \frac{b}{\sin{\theta}} \frac{db}{d\theta}     (6)

Já deduzimos que, para o espalhamento Rutherford a relação entre o ângulo de espalhamento e o parâmetro de impacto vale:

\cot{(\frac{\theta}{2})} =   \frac{2Eb}{k} }     (7)

de modo que:

\frac{db}{d\theta} = -\frac{k}{4E} \csc^2\frac{\theta}{2}     (8)

Substituindo (7) e (8) em (6) e usando a relação \sin(2x)=2sin(x)cos(x), chegamos à:

\frac{d\sigma}{d\Omega} = {\left(  \frac{k}{4E} \right) }^2 \frac{1}{\sin^4(\frac{\theta}{2})}     (9)

Que corresponde à seção de choque diferencial de espalhamento Rutherford.

Geiger e Marsden experimentaram, em detalhes, vários aspectos da expressão (9), a dependência com o quadrado do número atômico (Z) do alvo (embutido na constante k), a dependência com a energia cinética e com o ângulo de espalhamento. Esses resultados estão mostrados nas figuras 5-7 (extraídas do "Introductory Nuclear Physics", Krane).


Figura 5 - Dependência da seção de choque com a energia cinética das partículas do feixe.


Figura 6 - Dependência da seção de choque com o número atômico do alvo.


Figura 7 - Dependência da seção de choque com o ângulo de espalhamento.

O mais intrigante da equação (9) vem do fato de considerarmos que uma partícula, ao atravessar o alvo, interage apenas uma vez de forma significativa com o campo coulombiano nuclear. Na maioria das vezes essa partícula passa muito longe do núcleo, não sofrendo muitos desvios ou interagindo apenas com o campo coulombiando gerado pela distribuição de elétrons no átomo que, como vimos, provoca desvios pouco significativos. Será que essa hipótese é razoável? Pode-se verificar essa hipótese experimentalmente. Se o desvio a grandes ângulos for causado por uma sucessão muito grande de desvios pequenos, conforme vimos para o átomo de Thomsom, o desvio total dependeria da raiz quadrada do número de colisões. Como o número de colisões seria proporcional à espessura do alvo, o número de partículas desviadas a um determinado ângulo seria proporcional à raiz quadrada da espessura do alvo. Por outro lado, se o desvio for provocado por uma única interação, o número de partículas desviadas seria proporcional à espessura do alvo, já que a probabilidade de ocorrer uma única interação é linearmente dependente da espessura. Na figura 8 é mostrado o número de partículas desviadas em função da espessura do alvo, para vários elementos. Vemos claramente a dependência linear com a espessura, sugerindo fortemente que há apenas uma interação significativa ao atravessar o alvo, responsável por todo o desvio a grandes ângulos.


Figura 8 - Dependência do número de partículas espalhadas com a espessura do alvo.

A seção de choque de espalhamento Rutherford, calculada anteriormente, e os dados experimentais que formaram a base para o desenvolvimento desse modelo, fomentou mudanças significativas na compreensão da estrutura mais básica da matéria. Contudo, devemos considerar que a dedução realizada mantém implícita uma série de simplificações teóricas, das quais podemos citar algumas importantes:
  1. Tratamos o problema do espalhamento de partículas α através de conceitos de mecânica clássica, na qual tratamos as partículas como pontuais e com trajetória e momentos bem definidos. A princípio o tratamento clássico pode ser feito de as distâncias mínimas envolvidas forem muito maiores que o comprimento de onda de de Broglie para a partícula α. Isso de fato ocorre para os experimento realizados por Geiger e Marsden. Por outro lado, o potencial coulombiano (1/r), por coincidência da natureza, produz a mesma solução para a seção de choque se utilizarmos todo o formalismo quântico.
  2. Não consideramos o espalhamento dessas partículas pela núvem de elétrons nos átomos. Isso altera levemente o potencial de interação pois os elétrons atuam como uma blindagem na interação entre a partícula α e o alvo. Essa correção é, contudo, pequena.
  3. Não consideramos o recuo do núcleo alvo. No caso dos experimentos iniciais de Geiger e Marsden, o alvo é muito mais pesado que a partícula α, não sendo significativo.
  4. Não se considerou as dimensões finitas do feixe e alvo. Em baixas energias isso não é relevante pois o potencial de interação, pela Lei de Gauss, é 1/r. Isso se torna importante em energias mais elevadas nas quais a distância de máxima aproximação é próxima à soma dos raios das partículas.
  5. Consideramos o problema apenas contendo interações eletrostáticas. Contudo, as partículas envolvidas possuem spin, o que provoca interações eletromagnéticas. Contudo, nesse caso, essas interações são muito pequenas, podendo ser desprezadas. Não considera-se também a interação forte nuclear mas, como as distâncias envolvidas são muito grandes, isso também não é um problema.

Exercícios

  1. Calcule o comprimento de onda de de Broglie para partículas α de energia 5 MeV. Compare à distância de máxima aproximação para a colisão dessas partículas com alvos de ouro.

Leitura recomendada

  1. Introductory Nuclear Physics, K. S. Krane, seção 11.6
  2. Nuclear and Particle Physics, W. S. C. Williams, capítulo 1.
  3. Física Moderna, Caruso e Oguri, capítulo 3.3.
Alexandre Thursday 11 February 2010 at 2:54 pm | | FisicaNuclear

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