Propagação de incertezas

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Em algumas situações a avaliação de incertezas pode ser feita na força bruta, simplesmente através da repetição de um experimento e avaliação dos desvios padrão da amostra obtida. Por exemplo, imagine-se jogando um balão de água do alto de uma torre. Você pode medir o tempo de queda deste balão e, através de um cálculo simples, supondo o movimento como sendo uniformemente variado e partindo do repouso, calcular a aceleração deste balão. Pois bem, para avaliar a incerteza nesta aceleração simplesmente repete-se à exaustão o experimento. Para cada balão jogado calcula-se a aceleração. No final, calcula-se a média das acelerações, desvio padrão e desvio padrão da média. Tem-se, portanto, o valor médio da aceleração e sua incerteza. O que aconteceu, de fato, é que a flutuação no tempo de queda do balão gerou uma flutuação na aceleração medida (veja a figura 1). Essas flutuações foram avaliadas simplesmente através da repetição da medida.


Figura 1 - Histograma com dados de um experimento de queda repetido 1500 vezes. A flutuação na medida de tempo gera uma flutuação no valor calculado de aceleração.


Por outro lado, em muitas situações não é possível repetir a medida à exaustão de forma a avaliar essas flutuações e o impacto delas em grandezas derivadas. Em uma situação bem simples, tem-se a medida x \pm \sigma_x e quer-se calcular a grandeza y = f(x), derivada, bem como sua incerteza \sigma_y. O cálculo de y é simples, basta substituir o valor de x na função f(x). Mas como eu calculo \sigma_y conhecendo \sigma_x? Para isso precisamos aprender a fazer propagações de incertezas. O objetivo deste texto é deduzir uma expressão para propagação de incertezas e discutir alguns exemplos simples.

Fórmula geral de propagação de incertezas


Em um caso geral, digamos que eu tenho medidas de vários observáveis (por exemplo, altura e largura de uma folha de papel) e quero calcular uma grandeza derivada (por exemplo, a área desta folha). Conheço as incertezas dessas medidas e quero calcular a incerteza na grandeza derivada (por exemplo, a incerteza na área da folha). Para estabelecer uma notação, vamos denominar as grandezas observáveis como sendo x_i \pm \sigma_i e a grandeza derivada como sendo y \pm \sigma_y, que pode ser calculada através do uso de uma fórmula y=f(x_1,x_2,x_3,...,x_n). Neste caso, n é o número de grandezas observáveis que tenho à disposição.

Na força bruta, para calcular a incerteza em y, simplesmente repetiríamos a medida do conjunto X_j = \{x_1^j,x_2^j,x_3^j,...x_n^j\} um determinado número de vezes (M) e calcularíamos y_j=f(X_j) para cada repetição. No final, a variância (quadrado do desvio padrão) de y poderia ser calculado como:

\sigma_y^2 = \frac{1}{M-1}\sum_{j=1}^{M}{(y_j - \bar{y})^2} =  \frac{1}{M-1}\sum_{j=1}^{M}{(f(X_j) - \bar{f})^2}


Agora temos somente um conjunto de medidas e, por conta disso, apenas um valor para y. Porém, conhecemos o conjunto de incertezas das grandezas x_i, dado por \Sigma = \{\sigma_1,\sigma_2,\sigma_3,...,\sigma_n\}. Para calcular a incerteza em y vamos admitir que as incertezas em x_i são pequenas o suficiente para que possamos aproximar a função y=f(X) por uma reta por em torno de x_i em um intervalo da ordem de \sigma_i para mais e para menos. A inclinação desta reta ao longo da variável x_i é dada pela derivada parcial de f em relação à x_i (ver figura 2). Deste modo, podemos escrever a função f(X_j) como sendo, aproximadamente:


Figura 2 - Aproximação de uma função por uma reta em um ponto qualquer e como uma variação em x gera uma variação em y.


A equação desta reta é:

f(x) = f(x_i) + \frac{\partial f}{\partial x_i}(x-x_i)

Em uma situação onde temos muitas variáveis, podemos generalizar a expressão acima e escrever que:
f(X_j) = f(X) + \frac{\partial f}{\partial x_1}(x_1^j-x_1) +  \frac{\partial f}{\partial x_2}(x_2^j-x_2)+...+ \frac{\partial f}{\partial x_n}(x_n^j-x_n)


Qué é uma expansão em série de Taylor de primeira ordem. Como só temos um conjunto de medidas, vamos também aproximar que o valor médio de f é aquele calculado em f(X), ou seja, \bar{f} = f(X). Substituindo isso, bem como a expansão em série de Taylor, na expressão para o desvio padrão de y, temos que:

\sigma_y^2 = \frac{1}{M-1}\sum_{j=1}^{M}\Bigg( f(X) +
\frac{\partial f}{\partial x_1}(x_1^j-x_1) +
\frac{\partial f}{\partial x_2}(x_2^j-x_2) + ... +
\frac{\partial f}{\partial x_n}(x_n^j-x_n)
- f(X) \Bigg)^2


Expandindo o quadrado na somatória, temos:

\sigma_y^2 = \frac{1}{M-1}\sum_{j=1}^{M} \Bigg( \left (\frac{\partial f}{\partial x_1} \right )^2 (x_1^j-x_1)^2 +
\left (\frac{\partial f}{\partial x_2} \right )^2 (x_2^j-x_2)^2 +...+
\left (\frac{\partial f}{\partial x_n} \right )^2 (x_n^j-x_n)^2+
2 \frac{\partial f}{\partial x_1}\frac{\partial f}{\partial x_2}(x_1^j-x_1)(x_2^j-x_2) + ... +
2 \frac{\partial f}{\partial x_{n-1}}\frac{\partial f}{\partial x_{n}}(x_{n-1}^j-x_{n-1})(x_n^j-x_n)\Bigg)


Como as derivadas são constantes para a somatória, podemos rearranjar a expressão acima de forma que:

\sigma_y^2 =  \left (\frac{\partial f}{\partial x_1} \right )^2 \frac{1}{M-1}\sum_{j=1}^{M}(x_1^j-x_1)^2 +
\left (\frac{\partial f}{\partial x_2} \right )^2 \frac{1}{M-1}\sum_{j=1}^{M}(x_2^j-x_2)^2 +...+
\left (\frac{\partial f}{\partial x_n} \right )^2 \frac{1}{M-1}\sum_{j=1}^{M}(x_n^j-x_n)^2 +
2 \frac{\partial f}{\partial x_1}\frac{\partial f}{\partial x_2} \frac{1}{M-1}\sum_{j=1}^{M}(x_1^j-x_1)(x_2^j-x_2) +
2 \frac{\partial f}{\partial x_1}\frac{\partial f}{\partial x_3} \frac{1}{M-1}\sum_{j=1}^{M}(x_1^j-x_1)(x_3^j-x_3) +...+
2 \frac{\partial f}{\partial x_{n-1}}\frac{\partial f}{\partial x_n} \frac{1}{M-1}\sum_{j=1}^{M}(x_{n-1}^j-x_{n-1})(x_n^j-x_n)


Na expressão acima, temos dois tipos de somatória. O primeiro deles tem a forma:

\frac{1}{M-1}\sum_{j=1}^{M}{(x_i^j-x_i)^2}


Que nada mais é do que a definição da variância (\sigma_i^2) do observável x_i.

O segundo tipo de somatória tem a forma:

\frac{1}{M-1}\sum_{j=1}^{M}{(x_i^j-x_i)(x_k^j-x_k)}


Esse termo é chamado de covariância (cov_{i,k}) e será discutido em momento oportuno.

Substituindo essas definições de variância e covariância, temos que:

\sigma_y^2 = \left (\frac{\partial f}{\partial x_1} \right )^2 \sigma_1^2 + ... + \left (\frac{\partial f}{\partial x_n} \right )^2 \sigma_n^2 + 2 \frac{\partial f}{\partial x_1}\frac{\partial f}{\partial x_2} cov_{1,2} +...


Em resumo, podemos escrever que:

\sigma_y^2 = \sum_{i=1}^{n}\left(\frac{\partial f}{\partial x_i}\right)^2 \sigma_i^2 + \sum_{i=1}^{n}\sum_{k=1}^{n} \frac{\partial f}{\partial x_i}\frac{\partial f}{\partial x_k}cov_{i,k}


Que é a expressão geral para propagação de incertezas. Se os observáveis X=\{x_i\} forem todos independentes um do outro, os termos de covariância são nulos e a expressão acima fica mais simplificada na forma:

\sigma_y^2 = \sum_{i=1}^{n}\left(\frac{\partial f}{\partial x_i}\right)^2 \sigma_i^2


Ou seja, para propagar as incertezas de observáveis para uma grandeza derivada desses observáveis, basta calcular todas as derivadas parciais e substituir na expressão acima. Em algumas situações esses cálculos são bastante complexos então uma análise da contribuição relativa de cada observável na incerteza final pode poupar um trabalho enorme.

Um exemplo

Vamos dizer que alguém mediu tempo de queda de um balão de uma altura h=34.0 \pm 0.5 \text{ m} e obteve que t=2.65 \pm 0.20 \text{ s}. Usando um modelo simples de queda livre, pode-se deduzir que a aceleração vale:

a =f(h,t)= 2\frac{h}{t^2}.


Substituindo os valores de h e t na expressão acima obtém-se que a = 9.68 \text{ m/s}^2. Qual a incerteza na aceleração? Os nossos observáveis, neste caso, são h e t e são medidos independentemente, de forma que a covariância entre eles é nula. Assim, podemos escrever que a incerteza em a ao quadrado vale:

\sigma_a^2 = \left(\frac{\partial f}{\partial h}\right)^2 \sigma_h^2 + \left(\frac{\partial f}{\partial t}\right)^2 \sigma_t^2


As derivadas são, respectivamente:

\frac{\partial f}{\partial h} = \frac{2}{t^2}

\frac{\partial f}{\partial t} = -4\frac{h}{t^3}


de modo que, substituindo essas derivadas na expressão para a incerteza, temos:

\sigma_a^2 = \left(\frac{2}{t^2}\right)^2\sigma_h^2 + \left(4\frac{h}{t^3}\right)^2\sigma_t^2


Então basta substituir os valores nesta expressão (h = 34.0 \text{ m}, \sigma_h = 0.5 \text{ m}, t = 2.65 \text{ s} e \sigma_t = 0.20 \text{ s}),e obter que:

\sigma_a^2 = 2.15 \rightarrow \sigma_a = 1.5 \text{ m/s}^2


Ou seja:

a = 9.7 \pm 1.5 \text{ m/s}^2

Compare este resultado com o desvio padrão (RMS) no histograma da aceleração na figura 1.

Outro exemplo

Alguém mediu o tamanho de uma sala e obteve para a largura e comprimento, respectivamente, l = 5.1 \pm 0.1 \text{ m} e c = 2.3 \pm 0.1 \text{ m}. A área desta sala é A = l \times c = 11.73 \text{ m}^2. Qual a incerteza nesta área? A área depende de duas medidas, a largura e o comprimento, de modo que a incerteza na área é:

\sigma_A^2 = \left(\frac{\partial A}{\partial l}\right)^2 \sigma_l^2 + \left(\frac{\partial A}{\partial c}\right)^2 \sigma_c^2


As derivadas são, respectivamente:

\frac{\partial A}{\partial l} = c

\frac{\partial A}{\partial c} = l


de modo que, substituindo essas derivadas na expressão para a incerteza, temos:

\sigma_A^2 = c^2\sigma_l^2 + l^2\sigma_c^2

Substituindo os valores, obtemos que:

\sigma_A^2 = 0.31 \rightarrow \sigma_A = 0.56 \text{ m}^2

Ou seja:

a = 11.73 \pm 0.56 \text{ m}^2


Exercícios


  1. Mostre que, se c=a+b ou c=a-b, a incerteza em c pode ser escrita como: \sigma_c^2=\sigma_a^2+\sigma_b^2.
  2. Mostre que, se c=a \times b ou c = a/b, a incerteza em c pode ser escrita como: \left(\frac{\sigma_c}{c}\right)^2 = \left(\frac{\sigma_a}{a}\right)^2 + \left(\frac{\sigma_b}{b}\right)^2.
  3. O volume, V de uma esfera pode ser obtido a partir do seu diâmetro d, determinado experimentalmente. Mostrar que a incerteza no volume pode ser obtida da expressão: \sigma_v = 3V\frac{\sigma_d}{d}.
  4. O ângulo de Brewster de um material foi medido experimentalmente e obteve-se \theta_B = (59.3 \pm 1.2)^o. O índice de refração deste material pode ser obtido a partir da expressão n = \tan(\theta_B). Obtenha o valor do índice de refração e sua incerteza.
  5. Uma caixa retangular tem largura, altura e profundidade, respectivamente (em cm): L_1 = 5.00 \pm 0.05, L_2 = 20.00 \pm 0.05 e L_3 = 15.00 \pm 0.01. Determine o volume desta caixa e sua incerteza.
  6. Um pêndulo de comprimento l = 85.00 \pm 0.05 \text{ cm} teve o seu período de oscilação medido em t = 1.90 \pm 0.03 \text{ s} com o objetivo de determinar o valor da aceleração da gravidade. Sabendo que o período de um pêndulo simples pode ser dado por t = 2\pi\sqrt{\frac{l}{g}}, determine a aceleração da gravidade g e sua incerteza.
  7. A velocidade de queda de um paraquedista pode ser calculada por v(t) = \frac{gm}{c}\left(1-\exp\left(-\frac{c}{m}t\right)\right) onde t é o instante de tempo, g = 9.79 \pm 0.05 \text{ m/s}^2 é a aceleração da gravidade, m = 60 \pm 1 \text{ kg} é a massa do paraquedista e c = 15.5 \pm 1.5 \text{ kg/s} é uma constante que estabelece o arrasto do paraquedas. Calcule a velocidade de queda do paraquedista, com sua incerteza, para t = 6.0 \pm 0.1 \text{ s}.
Alexandre Monday 23 July 2012 at 10:24 am | | laboratorio

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