Um pouco de física de neutrinos

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Notas de aula são propriedade intelectual. Sendo assim, qualquer uso, no todo ou em parte, deve ter a origem referenciada apropriadamente, após autorização de seu autor.

O texto a seguir corresponde à anotações parciais de aula. Não é um texto em forma final, completo e totalmente revisado. Nesse caso, esse texto não tem como objetivo substituir livros sobre o assunto. Assim, esse texto deve ser entendido apenas como um guia de estudo para o aluno acompanhar a disciplina.


A descrição do decaimento β nuclear e, de forma mais ampla, da interação fraca, verdadeiramente abriu uma caixa de Pandora repleta de questionamentos e nova fenomenologia. O estudo em detalhes para o entendimento das perguntas que surgiram, tanto do ponto de vista experimental quanto teórico, foram (e continuam sendo) extremamente desafiadores. Algumas das perguntas que surgiram ainda não encontraram respostas, mesmo quase um século de intensa investigação. Nessa aula vamos descrever, mesmo que um pouco qualitativamente, a fenomenologia básica envolvida da física de neutrinos. Nesse sentido, a colocação dessa fenomenologia dentro de um contexto histórico acaba sendo importante para o entendimento da complexidade do problema envolvido.

Um pouco sobre neutrinos

Neutrinos foram propostos por Pauli em 1930 para resolver o problema do espectro de emissão β nuclear. A idéia de neutrinos foi então utilizada por Fermi na formulação da sua teoria para decaimento β, como discutimos anteriormente. Apesar dessa hipótese funcionar muito bem, não é uma prova da existência de neutrinos. A primeira medida de neutrinos ocorreu mais de 20 anos após ter sido postulado, em 1953, por Reines e Cowan.

O experimento de Reines e Cowan consistiu de um alvo contendo 400 litros de uma mistura de água com cloreto de cádmio. O experimento consistiu de observar a reação \bar{\nu} + p \rightarrow n + e^+. Essa observação é feita de forma bastante peculiar. O pósitron, após ser gerado, se aniquila com um elétron do alvo, formando um par de fótons simulaneamente. O nêutron, por outro lado, percorre esse alvo, perdendo continuamente a sua energia até, eventualmente, ser capturado por um núcleo de cádmio, emitindo alguns fótons nesse processo. A captura pelo núcleo de cádmio ocorre aproximadamente 15 μs após a aniquilação do pósitron. A medida de coincidência dos fótons de aniquilação, seguindo de outros fótons com atraso de 15 μs indicaria que a reação ocorreu. A medida desses fótons foi feita com fotomultiplicadoras e uma eletrônica bastante complexa para a época. Na figura 1 vemos uma foto do aparato experimental utilizado e, na figura 2, uma foto de Reines e Cowan tomando dados.

Figura 1 - Arranjo experimental para detecção de neutrinos utilizado por Reines e Cowan.

Figura 2 - Reines e Cowan tomando dados.

Reines e Cowan, contudo, precisavam de uma fonte de neutrinos. Inicialmente pensaram em utilizar uma bomba atômica para esse fim. Contudo, no final, acabaram montando o seu arranjo experimental próximo a um reator nuclear. Como curiosidade, próximos ao mesmo reator havia outros cientistas tentando realizar medidas semelhantes. Contudo esses cientistas utilizavam soluções diferentes que, nesse caso, precisavam de neutrinos para funcionar. Como o reator produzia apenas anti-neutrinos, somente o experimento de Reines e Cowan funcionou. Eles vieram a ganhar o Prêmio Nobel em 1995, mais de quarenta anos após seus experimentos.

O resultado positivo de Reines e Cowan, aliado aos resultados negativos de outros pesquisadores é um indício forte que neutrinos e anti-neutrinos não são iguais, apesar de terem cargas nulas. Uma outra evidência da distinção entre neutrinos e anti-neutrinos poderia vir do próprio decaimento β. No caso do decaimento β do nêutron, temos:

n \rightarrow p + e^- + \bar{\nu}_e             (1)

O índice no anti-neutrino foi colocado para diferenciá-lo dos outros tipos de neutrinos, que veremos a seguir. Também é viável a reação:

\nu_e + n \rightarrow p + e^-             (2)

Se um anti-neutrino fosse igual a um neutrino (\bar{\nu}_e = \nu_e) poderíamos ter o decaimento sequencial no interior do núcleo:

n \rightarrow p + e^- + \nu_e \Rightarrow \nu_e + n \rightarrow p + e^-             (3)

Esse decaimento é chamado de duplo decaimento β sem emissão de neutrinos. Há muitos decaimentos duplo β na natureza. Vamos utilizar como exemplo o decaimento do 82Se. Nesse decaimento, teríamos duas opções:

  1. Decaimento sem emissão de neutrinos: ^{82}Se\rightarrow ^{82}Kr + 2e^- + 3.03\mbox{ MeV}.
  2. Decaimento com emissão de neutrinos: ^{82}Se\rightarrow ^{82}Kr + 2e^- + 2\bar{\nu}_e + 3.03\mbox{ MeV}.

Se o decaimento sem emissão de neutrinos for possível, a soma das energias cinéticas dos elétrons emitidos deveria ser igual a 3.03 MeV, que corresponde ao valor-Q da reação. As taxas de decaimento, nesses casos, também podem ser calculadas e comparada aos dados. Até o momento não há indícios experimentais que decaimentos sem emissão de neutrinos em emissões duplo β ocorram, indicando que neutrinos e anti-neutrinos são partículas distintas.

A dificuldade em se medir neutrinos vem de suas características. O fato deles interagirem apenas fracamente, faz com que a sua medida seja muito complicada. Para se ter uma idéia, um elétron de 3 MeV de energia atravessa apenas alguns centímetros de matéria enquanto um neutrino de mesma energia consegue atravessar uma espessura de mais de 50 anos-luz de água sem interagir. Apesar de serem difíceis de interagir, são bastante abundantes. O sol, por exemplo, produz da ordem de 1038 neutrinos por segundo. Desses, da ordem de 50 trilhões de neutrinos por segundo atravessam o nosso corpo. Os 20 mg de 40K, presentes no nosso corpo, emitem da ordem de 300 milhões de neutrinos por segundo.

Entre a previsão do neutrino e sua descoberta, nasceu a física de partículas. Descobriu-se o múon, que também estava associado a um neutrino, além de várias outras partículas que decaiam por interação fraca. Muito mais tarde, em 1975, no SLAC, descobriu-se o tau, terceiro lépton. Como os outros dois (elétron e múon) estavam associados a um neutrino, esperava-se que o tau também estivesse. Somente em 2000, o experimento DONUT do Fermilab, esse neutrino foi descoberto. As medidas e também a teoria na época previam que deveriam existir apenas três léptons com seus respectivos neutrinos (e anti-partículas correspondentes). Um resultado experimental muito forte nesse sentido vem da análise sistemática de dados dos experimentos no LEP, localizado no CERN. Esses experimentos tinham como objetivo medir a distribuição de massa do bóson Z, que decai em várias partículas. Alguns desses decaimentos são em neutrinos e anti-neutrinos. Como vimos, a largura da distribuição de massa está relacionada à vida média do estado que decai. Quanto maior a vida média, mais estreita é essa distribuição. Assim, podemos imaginar que, quanto maior o número de possibilidades de decaimento em neutrinos, menor a vida média e, consequentemente, maior a largura da distribuição de massa. Na figura 3 mostramos os dados obtidos no LEP e previsões teóricas caso existam 2, 3 ou 4 tipos de neutrinos. Nota-se uma excelente concordância com a existência de apenas três tipos de neutrinos. Um ajuste aos dados, considerando o número de neutrinos como parâmetro, e análises mais atuais, resulta em N_\nu = 2.984 \pm 0.008 (ver Particle Data Group).

Figura 3 - Dados experimentais do LEP, compatíveis com a existência de apenas três tipos de neutrinos.

A princípio a "tabela periódica" de léptons está completa. Se isso irá mudar no futuro, não sabemos. Na figura 4 mostramos um quadro com as partículas que assumimos como fundamentais na natureza. Consiste de 6 quarks, 6 léptons e 4 bósons responsáveis pelas interações fundamentais (considere as anti-partículas correspondentes). Nesse quadro temos também informações sobre spin, carga, massa, etc. para essas partículas. Note que, no caso dos neutrinos, temos apenas limites superiores para as suas massas.

Figura 4 - Partículas fundamentais conhecidas segundo o Modelo Padrão..

De fato, os limites superiores para as massas dos neutrinos são um grande problema. A teoria de Fermi supunha que a massa do neutrino do elétron fosse nula. Nessa teoria, a forma espectral para as partículas β pode ser dada por:

N(p) = \mbox{Cte}\, p^2(Q-T_e)^2 =\mbox{Cte}\, T_e(T_e+2m_ec^2)(Q-T_e)^2             (4)

A energia cinética máxima para o elétron é, nesse caso, o valor-Q do decaimento, pois nesse limite a energia do neutrino tende a um valor nulo. Sendo a massa do neutrino não nula, o ponto final do espectro de energia de elétrons é modificado e a medida dessa diferença corresponde a uma medida da massa do neutrino do elétron. Espera-se que essa massa seja muito pequena, da ordem de poucos eV. Medidas de deslocamento de eV em reações com valores-Q da ordem de MeV são difíceis de serem realizadas com precisão. Nesse caso, é mais interessante buscar reações com baixos valores-Q. O decaimento β preferido para essas medidas é o do trítio (3H) em 3He. Esse decaimento possui um valor-Q de 18.6 keV apenas. Além disso, as funções de onda dos elétrons no estado final são muito bem conhecidas, eliminando incertezas devido a aproximações teóricas no cálculo do elemento de matriz para o decaimento. Na figura 5 mostramos o espectro de energia da partícula β proveniente do trítio para vários valores de massas de neutrinos.

Figura 5 - Espectro para o decaimento β do trítio próximo ao valor-Q da reação para diferentes massas de neutrinos.

Vários experimentos tentaram medir a massa do neutrino do elétron utilizando essa técnica. Por exemplo, na figura 6, mostramos o resultado de um experimento realizado em 1998. Na prática, os resultados experimentais indicam apenas limites superiores para a massa do neutrino. Nesse caso, o limite é tal que m_\nu < 2.2 \mbox{ eV/c^2}. Na tabela I indicamos resultados experimentais diversos com medidas para limites superiores da massa do neutrino do elétron.

Figura 6 - Experimento de 1998 para medida de massa do neutrino do elétron através do decaimento β do trítio.

Tabela I - Medidas experimentais para massa do neutrino do elétron.
Experimento Limite superior eV/c2 Nível de confiança Ano
Mainz 2.2 95 % 2000
Troitsk 2.5 95 % 2000
Zürich 11.7 95 % 1992
Tokyo INS 13.1 95% 1991
Los Alamos 9.3 95% 1991
Livermore 7.0 95% 1995
China 12.4 95% 1995
Média do PDG (98) 15 95 % 1998

Note que os valores medidos na tabela I questionam seriamente se a massa do neutrino é de fato nula ou não. Há expectativas de medidas futuras reduzirem pelo menos uma ordem de magnitude as incertezas na determinação dessa massa.

Um grande enigma em relação a neutrinos surgiu nos anos de 1960 e durou até o início do século XXI: o problema dos neutrinos solares. O sol produz energia através de reações nucleares cujo balanço energético e cadeia reativa são bem conhecidos e estudados em laboratórios. O principal mecanismo para produção de energia solar é o cadeia p-p para fusão do hidrogênio em hélio. Os valores-Q das reações são bem estabelecidos. Além disso podemos medir com precisão a quantidade de energia liberada pelo Sol nesse processo. Durante essa cadeia de reações são liberados neutrinos de elétrons. Como é possível medir com precisão a potência solar, conhecemos as taxas nas quais essas reações ocorrem. Com base nisso, podemos inferir a quantidade de neutrinos de elétron produzidos no Sol. A partir disso somos capazes de inferir a taxa de neutrinos solares incidentes na nossa atmosfera. Nos anos de 1960 R. Davis (ganhador do Prêmio Nobel de 2002 por seus trabalhos com neutrinos) e J. Bahcall conduziram experimentos para medir a taxa de neutrinos solares incidentes no planeta. Esse experimento é conhecido como Homestake, pois foi conduzido no interior da mina de ouro com esse nome, no estado da Dakota do Sul, nos EUA. Uma foto do experimento pode ser vista na figura 6.

Figura 6 - Arranjo experimental na mina de ouro Homestake, nos EUA, para medida de fluxo de neutrinos.

O experimento de Homestake consistiu em um tanque com 615 toneladas (380 mil litros) de percloretileno (produto de limpeza). Os neutrinos, ao atravessarem esse tanque, podem reagir com o 27Cl produzindo 37Ar, através da reação \nu + ^{37}Cl \rightarrow ^{37}Ar + e^-. O 37Ar possui meia vida de 35 dias. Como neutrinos reagem pouco com a matéria, a taxa de produção de argônio era de um átomo a cada 17h. Periodicamente (a cada 2-3 semanas) o tanque era injetado com gás hélio, usado para extrair os átomos de argônio, cujo radioatividade poderia ser medida e, por conseguinte, o número de átomos de argônio, contados. Dados foram tomados entre 1969 e 1993 (24 anos) forneceram, para a taxa de interação de neutrinos:

\sigma = 2.5 \pm 0.2 \mbox{ SNU}             (5)

onde:

1 \mbox{ SNU} = 1 interação por segundo para cada 1036 átomos do alvo.             (6)

Esse resultado foi surpreendente pois o valor esperado para essa taxa seria de 8 SNU. Observava-se apenas aproximadamente 1/3 do valor esperado para o fluxo de neutrinos. Nascia, dessa forma, o problema dos neutrinos solares. Esses resultados foram confirmados por muitos outros experimentos que se seguiram, incluindo o SNO (Sudbury Neutrino Observatory), mostrado na figura 7. Esse experimento consiste em um grande tanque contendo água pesada, localizado a mais de 2000 metros de profundidade na mina de Creighton, próxima à Sudbury, no Canadá. Os neutrinos, ao reagirem com a água pesada produzem partículas de altas velocidades que, por sua vez, produzem radiação de Cherenkov, detectada por quase dez mil fotomultiplicadoras. Esse experimento ainda funciona e upgrades futuros estão em andamento.

Figura 7 - SNO (Sudbury Neutrino Observatory).

Outro experimento importante na investigação de neutrinos é o Super Kamiokande (figura 8), localizado a 1000 metros de profundidade na mina de Kamioda, no Japão. Consiste em um gigantesco tanque contendo água pesada (50 mil toneladas) cuja radiação de Cherenkov, produzida pela reações com neutrinos, é coletada por aproximadamente 11 mil fotomultiplicadoras. Esse experimento iniciou a tomada de dados no início do século XXI.

Figura 8 - Super Kamiokande.

Os experimentos SNO e Super-K foram citados, dentre muitos, por terem fundamental importância na resolução do problema dos neutrinos solares no início do século XXI. A primeira evidência para a resolução desse problema surgiu em 1998, no detector Kamiokande (uma versão preliminar do Super-K), através da medida de neutrinos do múon produzidos na atmosfera. Obervou-se que neutrinos do múon originados na atmosfera acima do detector possuem uma taxa de produção diferente daqueles produzidos na atmosfera do outro lado do planeta, que necessitam atravessar toda a Terra antes de serem detectados pelo experimento. Isso indicaria que alguma coisa acontece com esses neutrinos ao atravessar o planeta. Em 2001, o experimento SNO, que é capaz de distinguir neutrinos, constatou que apenas 35% dos neutrinos originados do Sol são neutrinos dos elétrons. Os outros 65% dos neutrinos solares são neutrinos do muon e tau. Como esses neutrinos não são produzidos no Sol, algo deveria acontecer durante o seu percurso em direção a Terra que os tranformavam em outros neutrinos. O número total de neutrinos observados tornava-se consistente com a previsão baseada no entendimento das reações nucleares que ocorrem no Sol. Essa foi uma evidência gigantesca que neutrinos oscilam, podendo mudar de tipo. Estava resolvido o problema dos neutrinos solares e abriu-se um outro problema: a oscilação de neutrinos.

Por conta disso, o desenvolvimento teórico em relação à física de neutrinos teve um impulso muito grande. Atualmente acredita-se que neutrinos possuem uma característica peculiar que faz com que os auto-estados de massa não sejam os mesmos auto-estados de sabores. Admitindo a existência de três sabores de neutrinos (\nu_e, \nu_\mu e \nu_\tau) e três auto-estados de massa (\nu_1, \nu_2 e \nu_3), podemos descrever um sabor qualquer de neutrino \alpha=e,\, \mu \mbox{ ou } \tau como uma superposição dos auto-estados de massa, ou seja:

|\nu_\alpha \rangle = \sum_{j=1}^{3} U_{\alpha j} |\nu_j \rangle             (7)

A construção da matriz U pode ser feita de maneira muito simples. Devemos respeitar os fatos dos estados serem todos ortoganais e normalizados. Podemos então escrever essa matriz de forma análoga a uma rotação arbitraria de eixos, já que os conjuntos de auto-estados de sabores ou massa formam uma base ortonormal. Essa construção pode ser feita em partes. Simplificando o problema para uma situação bi-dimensional, ou seja, existem apenas dois tipos de neutrinos (α e β), podemos escrever (7) como sendo:

\left( \begin{array}{l} \nu_\alpha \\ \nu_\beta \end{array} \right) = \left( \begin{array}{l l}  \cos{\theta_{12}} & \sin{\theta_{12}} \\ -\sin{\theta_{12}} & \cos{\theta_{12}} \end{array}\right)  \left( \begin{array}{l} \nu_1 \\ \nu_2 \end{array} \right)             (8)

Essa analogia reduz as possíveis 4 constantes necessárias para descrever os estados de sabores em apenas 1. O ângulo \theta_{12} é denominado de ângulo de mistura para as massas 1 e 2.

Em um sistema com três sabores de neutrinos podemos considerar que a matriz U é a composição de três matrizes de rotação, uma em cada plano definido por dois auto-estados de massa. Assim, podemos escrever que:

\left( \begin{array}{l} \nu_e \\ \nu_\mu \\ \nu_\tau \end{array} \right) = \left( \begin{array}{l l l}  1 & 0 & 0 \\ 0 & c_{23}} & s_{23} \\ 0 & -s_{23} & c_{23} \end{array}\right) \left( \begin{array}{l l l}  c_{13} & 0 & s_{13} \\ 0 & 1 & 0 \\ -s_{13} & 0 & c_{13} \end{array}\right) \left( \begin{array}{l l l}  c_{12} & s_{12} & 0 \\ -s_{12} & c_{12} & 0 \\ 0 & 0 & 1 \end{array}\right) \left( \begin{array}{l} \nu_1 \\ \nu_2 \\ \nu_3 \end{array} \right)             (9)

onde s_{ij} = \sin{\theta_{ij}} e c_{ij} = \cos{\theta_{ij}}. Essa matriz é bastante simplificada e no formalismo atual inclui-se também matrizes para levar em consideração a violação CP (carga e paridade) durante as misturas efetuadas. Essa inclusão não vem ao caso nesse momento. Introduzí-la prejudiraria o entendimento fenomenológico que iremos descrever.

Os auto-estados de massa são aqueles que possuem massa bem definida e, por conseguinte, energia bem definida. Nesse caso, a evolução temporal desses estados é dada pela Eq. de Schrödinger dependente do tempo:

i\hbar\frac{\partial}{\partial t}|\nu_j(t) \rangle = H |\nu_j(t) \rangle = E_j |\nu_j(t) \rangle             (10)

de modo que:

|\nu_i(t) \rangle =  e^{-i\frac{E_j}{\hbar}t} |\nu_j \rangle             (11)

A evolução temporal de um estado de sabor de neutrino pode ser escrita como:

|\nu_\alpha (t) \rangle = \sum_{j=1}^{3} U_{\alpha j} e^{-i\frac{E_j}{\hbar}t} |\nu_j \rangle             (12)

A amplitude de transição entre dois sabores de neutrinos em um instante de tempo qualquer pode ser escrita como:

A_{\alpha \rightarrow \beta} = \langle \nu_\beta|\nu_\alpha (t) \rangle = \sum_{j=1}^{3} U_{\beta j}^* U_{\alpha j} e^{-i\frac{E_j}{\hbar}t}             (13)

A probabilidade de ocorrer a transição é dada pelo módulo quadradico de (13), de forma que:

P_{\alpha \rightarrow \beta} = |A_{\alpha \rightarrow \beta}|^2 =   \sum_{k=1}^{3} \sum_{j=1}^{3}  U_{\alpha k}^* U_{\beta k} U_{\beta j}^* U_{\alpha j} e^{-i\frac{E_j-E_k}{\hbar}t}             (14)

Para tornar o resultado de (14) mais fácil de interpretar, vamos supor um sistema constituido de apenas 2 neutrinos, como mostrado em (8). Nesse caso, podemos escrever que:

|\nu_\alpha \rangle = c_{12} |\nu_1 \rangle + s_{12}|\nu_2 \rangle             (15)

|\nu_\beta \rangle = -s_{12} |\nu_1 \rangle + c_{12}|\nu_2 \rangle             (16)

e assim:

A_{\alpha \rightarrow \beta} = \langle \nu_\beta|\nu_\alpha (t) \rangle =  c_{12}s_{12} \left( e^{-i\frac{E_2}{\hbar}t} - e^{-i\frac{E_1}{\hbar}t} \right)   =  c_{12}s_{12} e^{-i\frac{E_2}{\hbar}t} \left( 1 - e^{-i\frac{E_2 - E_1}{\hbar}t} \right)             (17)

A probabilidade de transição vale, nesse caso:

P_{\alpha \rightarrow \beta} = |A_{\alpha \rightarrow \beta}|^2  = (c_{12}s_{12})^2 \sin^2\left( \frac{E_2 - E_1}{2\hbar}t \right)             (18)

Através da relação entre energia e momento relativísticos e, assumindo que as massas dos neutrinos são pequenas, podemos escrever que:

E_j = \sqrt{p^2c^2 + m_j^2c^4} = pc\sqrt{1+ \frac{(m_j c^2)^2}{p^2c^2}} \sim pc\left(1+\frac{1}{2}\frac{(m_jc^2)^2}{p^2c^2}\right)             (19)

Substituindo em (18) e tomando t = L/c resulta em:

P_{\alpha \rightarrow \beta} \propto (c_{12}s_{12})^2 \sin^2\left(  \frac{(m_2 c^2)^2 - (m_1 c^2)^2}{4(\hbar c) (pc)}L   \right)             (20)

Ou seja, a probabilidade de oscilação entre dois estados depende do ângulo de mistura \theta_{12} e das diferenças de massa. Se as massas dos neutrinos forem iguais implica, automaticamente, que não há oscilação de neutrinos. Assim, a observação experimental desse fenômeno implica na existência de massa não nula para neutrinos. Isso é extremamente importante para física e para o Modelo Padrão que previa, inicialmente, massas nulas para neutrinos. A probabilidade de transição depende do caminho percorrido, L. Desse modo, como o caminho percorrido para neutrinos que atravessam o planeta é diferente daqueles observados na atmosfera, espera-se que as taxas observadas sejam, de fato diferentes. Na figura 9 mostramos a probabilidade de transição em função do caminho percorrido para neutrinos O que podemos observar dessa figura é que, neutrinos que viajam pouca distância possuem alta probabilidade de manterem o seu sabor enquanto aqueles que viajam grandes distâncias possuem alta probabilidade de oscilarem.

Figura 9 - Probabilidade teórica de oscilação entre neutrinos de elétron e múon.



Figura 10 - Probabilidade teórica de oscilação entre neutrinos de elétron e múon.

Como a probabilidade de oscilação depende do ângulo de mistura e da diferença de massa, medir a diferença nas taxas de observação de tipos diferentes de neutrinos permite determinar o ângulo de mistura e essa diferença em massa. Os grandes experimentos de neutrinos estão empenhados em realizar essas medidas embora elas sejam extremamente desafiadoras. Na figura 10 mostramos resultados experimentais para intervalos de confiância de três experimentos (extraído do Particle Data Group) para medidas de oscilação de neutrinos atmosféricos.

Na figura 11 mostramos uma compilação (Particle Data Group) de medidas experimentais para neutrinos solares, atmosféricos e provenientes de decaimentos fracos de partículas criadas em aceleradores (experimento LSND). Os resultados divergem de ordens de magnitude, criando um dilema. Como supomos a existência de três neutrinos é fácil ver que \Delta m_{32}^2 + \Delta m_{12}^2 + \Delta m_{13}^2 = 0, o que não se observa atualmente. Do ponto de vista experimental poderíamos inferir que há diferenças sistemáticas entre as medidas que devem ser entendidas antes de realizar uma comparação mais detalhada. Do ponto de vista teórico, pode-se interpretar essas diferenças através da existência de um quarto neutrino, não considerado no desenvolvimento teórico. Há ainda muito a aprender sobre oscilação de neutrinos e esse é um campo muito ativo na pesquisa em física de partículas.

Figura 11 - Compilação de resultados de vários experimentos que investigam oscilações de neutrinos.

Até agora discutimos uma série de fenômenos relevantes sobre a física de neutrinos. Um ponto importante foi deixado de lado até o momento. Sabemos que neutrinos e anti-neutrinos não são iguais. Indicamos algumas evidências experimentais que suportam essa afirmação. Como eles possuem, à princípio, a mesma massa, valor de spin e carga núla, qual é a propriedade física de torna essas partículas diferentes? Experimentalmente observa-se uma característica em neutrinos diferente de anti-neutrinos: a projeção do spin em relação ao momento. Essa grandeza pode ser medida experimentalmente aplicando a lei de conservação de momento angular para todas as partículas medidas em uma reação e, a partir disso, infere-se a direção do spin do neutrino. Essa direção é caracterizada por uma grandeza denominada helicidade. Helicidade é definida através de:

h = \frac{\vec{s}\cdot\vec{p}}{|\vec{s}\cdot\vec{p}|}             (21)

Observa-se que todos os neutrinos possuem h = - 1 enquanto anti-neutrinos possuem h = +1. Similarmente a fótons, que podem possuir h = + 1 ou h = -1, que representam as duas polarizações circulares possíveis para o fóton, usamos a analogia e dizemos que anti-neutrinos são partículas de mão direita enquanto neutrinos não partículas de mão esquerda. Pode-se entender isso como a direção angular na qual ocorre a precessão das componentes x e y do spin do neutrino. Como nem todo neutrino interage com qualquer núcleo, pode-se inferir daí a dependência do spin na interação fraca, dependência não considerada na teoria de Fermi. A helicidade bem determinada do neutrino e anti-neutrino constitui um aspecto importante da pesquisa sem física de neutrinos. O fato de neutrinos possuirem massa, por menor que seja, faz com que eles não viagem à velocidade da luz. Sendo assim, o sentido do vetor momento não é invariante. Pode-se encontrar um referencial no qual o momento tenha sentido oposto e, assim, a helicidade do neutrino (e anti-neutrino) troque de sinal. Nesse caso, espera-se encontrar, na natureza, neutrinos com helicidade +1 e anti-neutrinos com helicidade -1.

Na próxima aula vamos descrever com um pouco mais de detalhes algumas propriedades da interação fraca e alguns fenômenos importantes decorrentes dessas propriedades.

Figura 12 - Esquema representando helicidade de neutrinos.



OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: Muitos livros de física nuclear foram escritos entre os anos 60-90, incluindo o Krane. Note que no Krane, o problema dos neutrinos solares é um ponto em aberto e os modelos para o Sol ainda são questionados. Quando for estudar esse assunto, tenha em mente que houve um progresso significativo no entendimento das propriedades dos neutrinos no século XXI e muitos livros texto podem estar desatualizados nesse aspecto.

Exercícios

  1. A forma completa de escrever a transformação em (9) é:

    \left( \begin{array}{l} \nu_e \\ \nu_\mu \\ \nu_\tau \end{array} \right) = U_{23}\times D \times U_{13} \times D^\dagger \times U_{12} \ \left( \begin{array}{l} \nu_1 \\ \nu_2 \\ \nu_3 \end{array} \right)

    sendo U_{ij} as matrizes de rotação dadas em (9) e

    D = \left( \begin{array}{l l l} 1 & 0 & 0 \\ 0 & 1 & 0 \\ 0 & 0 & e^{i\delta} \end{array} \right)

    denominada de matriz de Dirac, que introduz a fase δ responsável pelo termo de violação CP (não se preocupe com isso por enquanto). A partir dessas informações, obtenha a matriz total de mistura de neutrinos. Obtenha a probabilidade de transição \nu_\mu \rightarrow \nu_e.


Leitura recomendada

  1. Texto do Particle Data Group sobre oscilações de neutrinos.
  2. BeamLine Magazine de 2001 - Edição especial sobre neutrinos.
  3. Introductory Nuclear Physics, K. S. Krane, capítulo 9.
  4. Nuclear and Particle Physics, W. S. C. Williams, capítulo 12.
Alexandre Wednesday 12 May 2010 at 3:48 pm | | FisicaNuclear

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