Modelo de camadas - interações residuais

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Notas de aula são propriedade intelectual. Sendo assim, qualquer uso, no todo ou em parte, deve ter a origem referenciada apropriadamente, após autorização de seu autor.

O texto a seguir corresponde à anotações parciais de aula. Não é um texto em forma final, completo e totalmente revisado. Nesse caso, esse texto não tem como objetivo substituir livros sobre o assunto. Assim, esse texto deve ser entendido apenas como um guia de estudo para o aluno acompanhar a disciplina.


Vimos que o modelo de camadas extremo consegue explicar razoavelmente bem os níveis de energia e estados fundamentais de núcleos diversos. Contudo, há uma classe de núcleos na qual há discrepâncias entre os valores previstos pelo modelo de camadas extremo e os valores experimentais. O primeiro pensamento que surge é devido à aproximação efetuada para criar o modelo de camandas. Nesse modelo, substituímos as interações de dois corpos por um potencial efetivo e supomos que a diferença entre esse potencial efetivo e o real poderia ser tratada como uma interação residual. Nesse caso, nucleons que se encontram em níveis parcialmente cheios podem interagir binariamente. Essa interação residual pode quebrar a degenerescência em energia desses níveis, separando os estados em novas energias e momentos angulares.

Um exemplo típico de interação residual no núcleo dá origem ao termo de emparelhamento na fórmula de massa. Suponha a existência de dois nucleons em uma camada não fechada de momento angular j. Nessa camada existem (2j+1) possíveis estados degenerados. É natural pensar que esses dois nucleons interajam. Como a força nuclear é atrativa, a situação mais ligada entre eles é aquela onda há maior superposição entre as funções de onda. Como dois nucleons não podem ocupar o mesmo estado de projeção m_j, concluí-se que a maior superposição ocorre quando as projeções de momento angular forem simétricas, ou seja, um nucleon no estado m_j e o outro em -m_j. Essa interação, que resulta nessa combinação é chamada de interação de emparelhamento. Em alguns núcleos, como, por exemplo, o 207Pb, é energéticamente mais vantajoso ter dois nucleons no nível de valência e um buraco no nível imediatamente inferior do que preencher o nível inferior e ter apenas um nucleon desemparelhado. Isso de fato ocorre, mudando o momento angular do estado fundamental desse núcleo.

Assim, precisamos estabelecer como se dão essas interações residuais. Esse é um processo bastante complicado e objeto de intenso estudo atualmente. Sendo assim, devemos tratar esse aspecto como um problema em aberto em estrutura nuclear. Vamos tentar fazer algumas considerações simples de modo a qualitativamente descrever o que ocorre.

Vamos tratar o caso no qual temos um número finito de nucleons desemparelhados. Há duas situações a considerar. Há situações nas quais temos apenas prótons ou apenas nêutrons desemparelhados. Nesse caso, devemos considerar essas interações residuais pois esses nucleons estão no mesmo estado de energia. Há, contudo, casos onde o desemparelhamento se dá entre prótons e nêutrons. Em sistemas mais pesados, o número elevado de prótons faz com que o potencial de interação entre prótons, por conta do termo coulombiano, seja diferente do potencial de interação dos nêutrons (ver figura 1). Nesse caso, os níveis de energia de prótons e nêutrons podem ser diferentes e a superposição entre as funções de onda de prótons e nêutrons, pequena. Como a força nuclear é de curto alcance, as interações residuais, nesse caso, devem ser pequenas e, portanto, desprezadas. Quando o número de prótons é pequeno, porém, essa diferença entre os potenciais de interação é pequena, fazendo com que os estados nos quais os nucleons encontram-se desemparelhados possam ter grande superposição espacial. Nesse caso, devemos considerar as interações residuais entre prótons e nêutrons.

Figura 1 - Diferenças entre potenciais de prótons e nêutrons.

Vamos supor, então que temos alguns nucleons desemparelhados e que eles possam interagir. Esses nucleons estão localizados em um nível de energia descrito pela função de onda |n\, \ell \, j \rangle, degenerado na projeção de momento angular. Suponha que temos k nucleons nesse nível. A interação, dois a dois, faz com que esse nível de energia possam perder a degenerescência. Os novos níveis de energia, resultantes dessa perda de degenerescência, terão momento angular resultante da soma dos momentos angulares das k partículas de momento angular \vec{j}. Estabelecer esses momentos angulares pode ser bastante complexo, pois envolve combinações de estados de diferentes projeções de momento angular, cada um com peso correspondente ao coeficiente de Clebsch-Gordan. No caso de mais de duas partículas, essas combinações são bastante complexas. O problema torna-se mais complexo ainda porque devemos respeitar o princípio de exclusão de Pauli caso os nucleons sejam idênticos.

Vamos, então, considerar um exemplo prático. Seja um núcleo no qual temos dois nucleons de mesmo tipo (prótons ou nêutrons) em um estado de momento angular j=\tfrac{5}{2}. Um caso típico é o 18O. Esse isótopo do oxigênio possui dois nêutrons no nível 1d_{5/2}^+. Segundo as regras de soma de momento angulares podemos popular estados com |j_1 - j_2| < J < j_1 + j_2. Nesse caso, poderíamos ter J = 0, 1, 2, 3, 4, 5. Contudo, como esses nucleons não podem ocupar o mesmo estado m_j, temos sérias restrições quanto aos possíveis momentos angulares. A projeção m_J deve ser igual à soma de m_{j1} + m_{j2}. Na tabela 1 temos todas as combinações possíveis de soma quanto às projeções de momento angular possíveis.

Tabela 1 - Soma de dois momentos angulares j=\tfrac{5}{2}.
    m_{j1}    
    m_{j2}   
    m_J   
5/2
3/2
4
5/2
1/2
3
5/2
-1/2
2
5/2
-3/2
1
5/2
-5/2
0
3/2
1/2
2
3/2
-1/2
1
3/2
-3/2
0
3/2
-5/2
-1
1/2
-1/2
0
1/2
-3/2
-1
1/2
-5/2
-2
-1/2
-3/2
-2
-1/2
-5/2
-3
-3/2
-5/2
4
Como cada estado de projeção m_J pode corresponder a um único valor de J, pode-se ver, na tabela 1, que os únicos estados de acoplamento de momento angular possíveis são aqueles com momento angular par, ou seja J=0,2,4. Esse fato pode ser demonstrado utilizando-se de regras de soma de momento angular e propriedades dos coeficientes de Clebsch-Gordan, com o fato de a função de onda resultante dever ser anti-simétrica pela troca de dois nucleons. Por exemplo, no acoplamento de duas partículas, um estado resultante |J\, m_J\rangle pode ser escrito como:

|J\, m_J\rangle = \sum_{m}{C_{j\, m\, j\, m_J-m}^{J\, m_J}|j\,m\rangle_1 |j\,m_J-m\rangle_2             (1)

Trocando a partícula 1 pela partícula 2, temos:

|J\, m_J\rangle = \sum_{m}{C_{j\, m_J-m\, j\, m}^{J\, m_J}|j\,m_J-m\rangle_1 |j\,m\rangle_2             (2)

Usando a propriedade dos coeficientes de Clebcsh-Gordan:

C_{j_1\, m_1\, j_2\, m_2 }^{J\, m_J} = (-1)^{j_1+j_2-J} C_{j_1\, m_2\, j_2\, m_1 }^{J\, m_J}             (3)

Temos que (2) pode ser reescrita como:

|J\, m_J\rangle = \sum_{m}{(-1)^{2j-J}C_{j\, m\, j\, m_J-m}^{J\, m_J}|j\,m\rangle_1 |j\,m_J-m\rangle_2             (4)

Para (4) e (1) serem antisimétrica, o termo (-1)^{2j-J} deve ser negativo. Como 2j é ímpar, esse termo será negativo apenas se J for par. Isso explica porque apenas momentos angulares pares podem resultar do acoplamento de dois nucleons no mesmo nível com j=\tfrac{5}{2}.

Esse estudo de somas de nucleons em mesmo nível de energia devem ser feitos caso a caso e, como citado, no caso de três nucleons desemparelhados, o processo de soma torna-se mais complicado, contudo factível. Basta organizar as possíveis combinações, três a três, em uma tabela similar à tabela 1.

Uma vez estabelecido quais os momentos angulares dos novos níveis de energia, devemos calcular a separação entre eles, de forma similar ao que foi feito com o acoplamento spin-órbita. Essa separação pode ser obtida a partir das interações residuais que, em primeira aproximação, assumimos desprezíveis. No modelo de camadas o Hamiltoniano residual é escrito como:

H_{res} =\sum_{i}\sum_{i<j}{V_{ij}(\vec{r}_i,\vec{r}_j)} - \sum_{i}{U(r_i)}             (5)

Vamos tomar as partículas desemparelhadas como 1 e 2. Assim, podemos desmembrar as somas em (5) e escrever:

H_{res} = \sum_{i = 3}^{A}\sum_{i<j}^{A}{V_{ij}(\vec{r}_i,\vec{r}_j)} - \sum_{i=3}^{A}{U(r_i)} +
\sum_{i = 3}^{A}{V_{1i}(\vec{r}_1,\vec{r}_i)} - U(r_1) +
\sum_{i = 3}^{A}{V_{2i}(\vec{r}_2,\vec{r}_i)} - U(r_2) +
V_{12}(\vec{r}_1,\vec{r}_2)             (6)

As duas primeiras parcelas dizem respeito aos nucleons no caroço. Assumindo que esse caroço é inerte, podemos desprezá-los. Assumindo que os termos de interação das partículas 1 e 2 com o resto do núcleo podem ser descritos de forma razoável pelo potencial de interação efetivo, podemos desprezar tambem os demais termos, sobrando apenas o termo de interação entre as duas partículas, ou seja:

H_{res} =  V_{12}(\vec{r}_1,\vec{r}_2)             (7)

Assim, a separação em energia entre os níveis, devido à interações residuais pode ser escrita, supondo que esse termo possa ser tratado perturbativamente, ou seja, não altera significativamente a função de onda do estado:

\Delta E = \langle\psi| H_{res} | \psi \rangle = \langle \psi |  V_{12}(\vec{r}_1,\vec{r}_2) | \psi \rangle             (8)

No caso do 18O, nosso exemplo prático, devemos calcular o valor médio em (8) para os estados |j_1\, j_2\, J \rangle possíveis, supondo apenas interação entre os dois nucleons de valência. Ou seja, o deslocamento em energia para os três estados calculados são:

\Delta E = \langle \tfrac{5}{2}\,\tfrac{5}{2}\, 0 |  V_{12}(\vec{r}_1,\vec{r}_2) | \tfrac{5}{2}\,\tfrac{5}{2}\, 0 \rangle

\Delta E = \langle \tfrac{5}{2}\,\tfrac{5}{2}\, 2 |  V_{12}(\vec{r}_1,\vec{r}_2) | \tfrac{5}{2}\,\tfrac{5}{2}\, 2 \rangle

\Delta E = \langle \tfrac{5}{2}\,\tfrac{5}{2}\, 4 |  V_{12}(\vec{r}_1,\vec{r}_2) | \tfrac{5}{2}\,\tfrac{5}{2}\, 4 \rangle

Esse cálculo depende da determinação do potencial de interação nucleon-nucleon. Em primeira aproximação pode-se utilizar o potencial de interação nucleon-nucleon estudado anteriormente. Contudo, fazendo isso, nota-se que os resultados obtidos não são satisfatórios. Isso ocorre pelo fato de, no interior do núcleo, deve-se levar em conta o princípio de exclusão de Pauli, o que afeta consideravelmente o potencial nucleon-nucleon. Há várias tentativas nesse sentido, porém o esforço empregado é muito grande com poucos resultados práticos. É mais comum, portanto, obter potenciais fenomenológicos de interação nucleon-nucleon dentro do núcleo, com parâmetros ajustados. Esse procedimento, apesar de ser mais simples de ser implementado, introduz uma série de parâmetros ajustáveis que podem mascarar efeitos interessantes. Contudo, esse procedimento torna-se vantajoso quando tratamos de sistemas com mais de dois nucleons na camada de valência. Na medida em que aumentamos o número de nucleons de valência, a determinação desses potenciais de interação torna-se complicada do ponto de vista numérico. Na figura 2 mostramos um os valores experimentais dos estados J^\pi = 0^+ , 2^+, 4^+ para o 18O e dois cálculos distintos de interação residual com potenciais fenomenológicos. No primeiro cálculo supõe-se apenas a interação residual entre os nucleons de valência. Note que os valores experimentais não são tão bem descritos. Isso porque assumimos que os nucleons permanecem todo tempo no estado 1d_{5/2}^+. Nada impede, porém, que eles possam ocupar outros estados de momento angular por algum tempo. Pode-se compor, por exemplo, os mesmos estados de momento angular total supondo a possibilidade desses nucleons ocuparem o estado 2s_{1/2}^+ e 1d_{3/2}^+. Quando se compõe as funções de onda permitindo essa mistura de estado percebe-se uma concordância muito melhor que no caso anterior.

Figura 2 - Níveis de energia do 18O. (a) dados experimentais. (b) cálculo supondo apenas composições dos estados 1d_{5/2}^+. (c) cálculo supondo misturas dos estados 1d_{5/2}^+, 2s_{1/2}^+ e 1d_{3/2}^+.

Nas últimas aulas nos exploramos alguns aspectos do modelo de camadas. Vimos como esse é um problema complexo. O núcleo possui uma estrutura intrincada onde, em muitos casos, interações residuais são significativas. Nesse estudo, em todos os casos, utilizamos a hipótese do potencial ser esfericamente simétrico. Contudo há muitos núcleos nos quais a distribuição de matéria é bastante distorcida. Isso fica claro nos núcleos de grande momento de quadrupolo elétrico. Variações do modelo de camadas, considerando potenciais não simétricos, foram criadas. Por exemplo, o Modelo de Nilsson assume formas não simétricas para o potencial de interação e estuda a modificação na estrutura de níveis devido a essas distorções. O estudo da estrutura de níveis é um assunto intenso de pesquisa nuclear atual e há muitas questões em aberto, principalmente em núcleos distantes da linha de estabilidade, onde a grande assimetria entre prótons e nêutros pode provocar distorções significativas na distribuição dos níveis de energia nuclear.

Exercícios

  1. Os núcleos 9Be e 9B se encontram nos estados J^\pi com valores \tfrac{3}{2}^-. Admitindo que esses valores são dados exclusivamente pelo último nucleon, justifique o valor encontrado J^\pi = 3^+ para o estado fundamental do núcleo de 10B.
  2. Utilizando uma construção idêntica àquela realizada na tabela 1, quais são os valores possíveis de momento angular para o acoplamento de três nucleons idênticos em um mesmo estado com j=\tfrac{5}{2}.

Leitura recomendada

  1. Introductory Nuclear Physics, K. S. Krane, capítulo 5.
  2. Introduction to Nuclear and Particle Physics, A. Das e T. Ferbel, capítulo 3.
  3. Introdução à Física Nuclear, H. Schechter e C. A. Bertulani, capítulos 4.
  4. Nuclear and Prticle Physics, W. S. C. Williams, capítulo 8.
Alexandre Sunday 25 April 2010 at 6:09 pm | | FisicaNuclear

two comments

Caio Laganá

Professor,

Na equação (4), os índices 1 e 2 dos dois kets na soma não estão invertidos? Não deveria ser índice 2 no primeiro ket e índice 2 no segundo?

Caio Laganá, (Email ) (URL) - 15-05-’10 12:05
Alexandre

Olá Caio

Vou checar, obrigado!

Alexandre, - 26-05-’10 10:31
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