Alguns aspectos da força nuclear
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O texto a seguir corresponde à anotações parciais de aula. Não é um texto em forma final, completo e totalmente revisado. Nesse caso, esse texto não tem como objetivo substituir livros sobre o assunto. Assim, esse texto deve ser entendido apenas como um guia de estudo para o aluno acompanhar a disciplina.
Nesse ponto colecionamos informações suficientes para tentar descrever a força forte entre dois nucleons. Muitos dos seus aspectos podem ser extraídos das propriedades gerais do núcleo, como distribuições de carga/massa, energia de ligação e momentos eletromagnéticos. Contudo, é através do estudo de sistemas de dois nucleons, como p-p, p-n e n-n, que podemos construir um potencial de interação mais abrangente. O estudo de sistemas de dois nucleons se dá através da investigação dos estados ligados (nesse caso, apenas o dêuteron) ou através de reações de espalhamento. Vamos explorar alguns desses aspectos a seguir.
A força entre dois nucleons e suas propriedades
Vamos considerar que o pontencial de interação entre dois nucleons é devido à contribuição de vários efeitos distintos. Esses efeitos serão incluídos um a um, respeitando algumas invariâncias. Na verdade, para ser mais abrangente, vamos construir esse potencial considerando apenas que, em interações fortes, devemos respeitar conservação de paridade em interações fortes e também a invariância por inversão temporal. Inversão temporal significa que a taxa de uma reação

A força nuclear é predominantemente central
Muitas propriedades nucleares, como distribuições de carga/massa, energia de ligação do dêuteron, etc. foram obtidas supondo que o potencial de interação é central, ou seja, depende apenas da distância entre os núcleos. Com essa simplificação conseguimos explicar razoavelmente esses observávies. Dessa forma, é razoável pensar que o fator dominante na interação entre dois núcleos é uma componente central. Assim, tomamos como base um potencial
Dependência do potencial com o spin dos nucleons
Da aula passada nós concluímos que a seção de choque de espalhamento para baixas energias é composta apenas pelo termo de momento angular orbital nulo, ou seja:
Vamos calcular a seção de choque de espalhamento entre próton e nêutron nesse limite. Vamos assumir, como ponto de partida, que o potencial é central e igual àquele calculado para o dêuteron, ou seja, um poço quadrado com profundidade




No caso de


A equação (3) pode ser resolvida em duas partes (












Dividindo (6) por (7) temos:

Tomando o limite



Substituindo (9) em (1), lembrando que, nesse caso,



Vamos utilizar os valores de potencial e raio utilizados durante o nosso estudo do dêuteron. Utilizamos






A discrepância entre o valor obtido e o experimental indica uma dependência da profundidade do potencial do o estado de spin do sistema. Como essas medidas foram realizadas com feixes não polarizados, todos os estados de spin são igualmente prováveis. Nesse caso, temos dois estados possíveis,




Substituindo o valor experimental e o valor calculado para o estado de tripleto temos que a seção de choque para o estado de singleto deve ser aproximandamente

Com base nessa evidência, podemos tentar adicionar um termo de correção ao potencial central







O produto escalar em (12) pode ser escrito em termos do spin total, como fizemos nos cálculos de momentos eletromagnéticos. Assim:

que resulta em:

O efeito desse potencial pode ser estimado calculando-se o valor médio de (13) para os estados de tripleto (





Se


Caráter não central da força entre dois nucleons - termo tensorial
Quando tentamos explicar o momento de dipolo magnético do dêuteron e contruir a sua função de onda, sentimos a necessidade de misturar estados de momentos angular orbital diferentes. Na verdade, vimos que o dêuteron possui uma fração da ordem de 4% de estados D. Isso é um forte indício de que o momento angular orbital não é uma constante de movimento. A implicação disso é que o potencial de interação não é mais central, ou seja, não depende apenas da distância entre as partículas mas depende também da orientação relativa entre elas. Como a mistura é pequena, essa "não centralidade" do potencial possa ser uma pequena correção a ser incluida no potencial nuclear, como fizemos para o caso de spin, discutido anteriormente.Se o potencial não é mais central deve depender da orientação relativa entre os nucleons interagentes. Escolhe-se, nesse caso, como orientação preferencial, o spin desses nucleons. Assim, toma-se a projeção do vetor posição na direção do spin (



O produto escalar entre os spins em (17) é necessário para satisfazer o critério de média nula desse termo. A inclusão desse termo não estabelece um novo comportamento para a força nuclear uma vez que o acoplamento entre spins já é um termo presente no potencial, como descrevemos anteriormente. O termo

Não localidade da força nuclear - acoplamento spin-órbita
Potenciais que dependem apenas da posição são chamados de potenciais locais. Conhecendo-se a posição no espaço, determina-se o valor do potencial. Contudo, há muitos casos na física onde surgem potenciais não locais, ou seja, aqueles que, além da posição, dependem da velocidade relativa entre as partículas. Um potencial não local é o acoplamento spin-órbita, que surge em física atômica para explicar a estrutura fina dos níveis de energia atômicos e surge também na física nuclear.Uma grande evidência da existência de interação spin-órbita na força nuclear diz respeito a medidas de polarização em espalhamento. Polarização é definida como sendo a diferença entre o número de partículas com spin apontando em um sentido e em outro pelo número total de partículas observadas, ou seja:

Um conjunto de partículas totalmente polarizada para cima possui




Assim como nos outros termos, a amplitude radial é obtida a partir do ajuste sistemático aos dados experimentais. Observando a equação (19), concluímos que, caso o momento angular esteja no mesmo sentido que o spin total, temos que o acoplamento é positivo, sendo o potencial resultante de mesmo sinal que a amplitude radial. Caso o sentido do momento angular orbital seja oposto ao spin, o acoplamento é negativo. Assim, dependendo desse acoplamento, podemos ter uma interação atrativa ou repulsiva devido a esse termo.

Como esse acoplamento reflete na polarização de uma medida experimental. Imagine a situação esquematizada na figura 2. Nessa figura, feixe e alvo possuem spin no mesmo sentido (nessa figura, apontando para fora da tela). A partícula 1 (no topo), em relação ao alvo, possui momento angular cujo sentido penetra na tela (


Como, estatisticamente, o feixe pode incidir igualmente acima ou abaixo do alvo, caso as partículas interagentes possuam spin de mesmo sentido, há a preferência para que elas sejam desviadas em uma direção preferencial. Partículas com spins em sentidos opostos não teriam preferência de desvio pois o spin total seria nulo e não existiria o acoplamento spin-órbita. Essa direção preferencial de desvio resultaria na polarização parcial do feixe espalhado em uma direção. Na figura 3 temos dados de polarização em função do ângulo de espalhamento para reações de diferentes energias. Como vimos, na medida em que diminuímos a energia, favorecemos espalhamentos de onda S, ou seja, sem momento angular orbital. Nesse caso, a polarização seria menor. Quando aumentamos a energia, momentos angulares orbital de maior valor contribuem mais intensamente para a seção de choque, aumentando a polarização.

Força nuclear em curtas distâncias
Quando estudamos a massa nuclear, através do modelo da gota líquida, e a distribuição de massa/carga, temos implícita uma característica importante da força nuclear, que surge das evidências de que a densidade de matéria nuclear é aproximadamente constante no interior do núcleo. Essa constância indica que há um limite de distância para a separação entre dois nucleons. Se a força for puramente atrativa, a densidade nuclear deveria variar drasticamente quando colocamos mais nucleons dentro do núcleo. Assim, temos uma evidência de que, a curtas distâncias, a força nuclear deixa de ser atrativa e se torne repulsiva. O equilíbrio entre essas duas componentes resulta na densidade aproximadamente constante.Uma forma de verificar essa característica é realizar medidas de seção de choque total neutron-próton em função da energia. Pode-se medir, a partir dessas seções de choque, o deslocamento de fase (


A forma mais comum de modelar esse potencial repulsivo a curtas distâncias, pensando na imcompressibilidade da matéria nuclear em condições normais, é assumir que o potencial seja infinito abaixo de uma certa distância, tornando a penetração impossível. Assim, esse termo repulsivo para a força nuclear pode ser escrito como:

onde


Conclusão
Exploramos alguns aspectos da força nuclear para construir um potencial de interação entre dois nucleons. O potencial construído é extremamente repulsivo à curtas distâncias (menores que aproximadamente 0.5 fm) e possui uma série de contribuições para distâncias maiores que 0.5 fm. Em resumo, podemos escrever o potencial de interação entre dois nucleons como sendo:

Na figura 5 mostramos o potencial de interação nucleon-nucleon em diferentes situações. Esse potencial empírico possui um sucesso razoável em explicar vários observáveis experimentais mas a descrição da interação entre nucleons não é completa. Poderíamos adicionar outros termos de ordem maior, por exemplo correções de


Exercícios
- Admita que o potencial nuclear tenha somente as componentes repulsiva, radial e termo de spin, ou seja,
para
fm e
para
fm. Suponha que
e
possam ser tratados como poços radiais quadrados, cada um com uma determinada profundidade. Com base nos dados experimentais de energia de ligação do dêuteron e seções de choque de espalhamento n-p em baixas energias, determine a profundidade desses poços.
- Mostre que a média sobre todas orientações em (17) é nula.
- Suponha uma partícula de spin 1 movendo-se em um potencial central da forma
. Obtenha os valores médios desse potencial para estados com J = L+1, L e L-1. Compare os resultados.
Leitura recomendada
- Introductory Nuclear Physics, K. S. Krane, capítulo 4.
- Introdução à Física Nuclear, H. Schechter e C. A. Bertulani, capítulos 2 e 9.
Acho que tem um erro de digitação no último exercício, onde está escrito V_3(3) deveria ser V_3® não?