Um pouco mais de teoria de espalhamento: expansão em ondas parciais

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Notas de aula são propriedade intelectual. Sendo assim, qualquer uso, no todo ou em parte, deve ter a origem referenciada apropriadamente, após autorização de seu autor.

O texto a seguir corresponde à anotações parciais de aula. Não é um texto em forma final, completo e totalmente revisado. Nesse caso, esse texto não tem como objetivo substituir livros sobre o assunto. Assim, esse texto deve ser entendido apenas como um guia de estudo para o aluno acompanhar a disciplina.


Em teoria de espalhamento vimos que podemos escrever que a função de onda de partículas sob a ação de um potencial é composta por um termo que corresponde à onda incidente e um termo que componente à onda espalhada, ou seja:

\psi(\vec{r}) = e^{i\vec{k}_i\vec{r}} + f(\theta,\phi)\frac{e^{i\vec{k}\vec{r}}}{r}             (1)

A função f(\theta,\phi) é denominada de amplitude de espalhamento e depende diretamente do potencial de interação. A seção de choque é a razão entre o número de partículas espalhadas e o fluxo incidente, ou seja:

\frac{d\sigma}{d\Omega}(\theta,\phi) =  \frac{d^2N/dtd\Omega}{\Phi} = \left|f(\theta,\phi)\right|^2             (2)

Vamos inicialmente considerar a natureza do potencial de espalhamento. Muitos potenciais de interação possuem simetria esférica (dependem somente da distância entre o centro espalhador e a partícula). Nesse caso, do ponto de vista teórico, seria interessante explorar essa característica. Isso poderia ser feito se pudéssemos resolver o problema sobre o ponto de vista de espalhamento de ondas esféricas. Para isso precisamos reescrever (1) em termos de ondas esféricas. Partiremos de uma expansão em harmônicos esféricos de uma função qualquer:

g(r,\theta,\phi) = \sum_{\ell\,m}{g_{\ell\,m}(r)Y_{\ell\,m}(\theta,\phi)             (3)

Para cada termo da soma acima, a constante g_{\ell\,m}(r), dependente do raio, pode ser obtida similarmente a termos de uma expansão de Fourier. No caso de uma onda plana, pode-se demonstrar que (veja Landau e Lifshitz):

e^{i\vec{k}_i\cdot\vec{r}} = e^{ikr\cos(\theta)} = \sum_{\ell}{i^{\ell}(2\ell+1)j_{\ell}(kr)P_{\ell}(\cos\theta)             (4)

onde P_{\ell}(\theta) correspondem a polinômios de Legendre, decorrentes da simetria esférica do problema e do fato da onda incidente não depender de m. j_{\ell}(kr) são funções de Bessel esféricas de ordem \ell.

Como estamos interessados em obter seções de choque precisamos examinar o comportamento assintórico de (4). Como o único termo dependente do raio corresponde às funções de Bessel esféricas, vamos tomar o seu comportamento a distâncias muito grandes do centro espalhador. Nesse caso, pode-se mostrar que:

j_{\ell}(kr) \rightarrow \frac{1}{kr}\sin\left(kr-\ell\frac{\pi}{2}\right)             (5)

ou ainda, reescrevendo (5) em termos de exponenciais complexas:

j_{\ell}(kr) \rightarrow \frac{i}{2k}\left(\frac{e^{-i(kr-\ell \pi/2)}}{r} - \frac{e^{i(kr-\ell \pi/2)}}{r} \right)             (6)

Substituindo (6) em (4), podemos escrever que uma onda plana corresponde à soma de uma série de ondas esféricas com termos que se aproximam da origem e termos emergentes da origem, ou seja:

e^{i\vec{k}_i\cdot\vec{r}} =  \sum_{\ell}{i^{\ell}(2\ell+1)\frac{i}{2k}\left(\frac{e^{-i(kr-\ell \pi/2)}}{r} - \frac{e^{i(kr-\ell \pi/2)}}{r} \right)P_{\ell}(\cos\theta)             (7)

A descrição acima supõe que não haja potencial de interação. Contudo, devemos incluir o efeito resultante do potencial de interação. No caso da aproximação de Born, visto anteriormente, o problema de condições de contorno foi resolvido através de funções de Green e uma expansão na qual tomamos o termo de primeira ordem. Nesse caso, vamos supor que o potencial de interação é responsável por causar uma modificação na onda emergente da interação. A onda incidente não deve sofrer modificação. Essa modificação, definida como S_{\ell}(k), depende da energia do feixe e do momento angular associado. S_{\ell}(k) é denominada matriz de espalhamento e deve ser unitária, ou seja |S|=1, para conservar probabilidade, nesse caso o número de partículas incidentes ser igual ao número de partículas emergentes. Podemos então escrever a função de onda após interação com o potencial a partir de (7) como:

\psi(\vec{r}) =  \sum_{\ell}{i^{\ell}(2\ell+1)\frac{i}{2k}\left(\frac{e^{-i(kr-\ell \pi/2)}}{r} - S_{\ell}(k)\frac{e^{i(kr-\ell \pi/2)}}{r} \right)P_{\ell}(\cos\theta)             (8)

Vamos tentar manipular (8) de modo a obter algo comparável a (1). Primeira-mente adicionamos e subtraimos uma onda plana emergente de (8). Assim:

\psi(\vec{r}) =  \sum_{\ell}{i^{\ell}(2\ell+1)\frac{i}{2k}\left( \begin{array}{l} \frac{e^{-i(kr-\ell \pi/2)}}{r} - S_{\ell}(k)\frac{e^{i(kr-\ell \pi/2)}}{r} \\ + \frac{e^{i(kr-\ell \pi/2)}}{r} - \frac{e^{i(kr-\ell \pi/2)}}{r} \end{array} \right) P_{\cos\ell}(\theta)             (9)

É fácil ver que:

\psi(\vec{r}) = e^{i\vec{k}_i\cdot\vec{r}} - \sum_{\ell}{i^{\ell}(2\ell+1)\frac{i}{2k}\left( (S_{\ell}(k)-1)\frac{e^{i(kr-\ell \pi/2)}}{r}  \right) P_{\ell}(\cos\theta)             (10)

Em (10), o termo i^{\ell} cancela com o termo e^{-i\ell \pi/2} da onda emergente. Assim, rearrumando os termos, temos:

\psi(\vec{r}) = e^{i\vec{k}_i\cdot\vec{r}} + \sum_{\ell}{(2\ell+1)\frac{S_{\ell}(k)-1}{2ik} P_{\ell}(\cos\theta)\frac{e^{ikr}}{r}             (11)

Comparando (11) com (1) chegamos, finalmente, que a amplitude de espalhamento vale:

f(\theta,\phi) = f(\theta) =  \sum_{\ell}{(2\ell+1)\frac{S_{\ell}(k)-1}{2ik} P_{\ell}(\cos\theta)             (12)

O conhecimento da matriz de espalhamento permite obter informações dobre o potencial de interação. Nesse caso, essa determinação é feita aplicando-se as condições de contorno no problema, que depende do potencial a ser considerado. Uma forma um pouco mais simples de interpretar a interação com o potencial é escrever a matriz de espalhamento em termos de phase shifts, ou mudanças de fase, que pode depender de cada onda parcial em (12).

No caso de espalhamento elástico, é fácil ver em (5), que o efeito do potencial sobre a função de onda deve ser apenas de introduzir uma fase no termo senoidal. Assim, o efeito do potencial é de transformar:

\frac{1}{kr}\sin\left(kr-\ell\frac{\pi}{2}\right) \rightarrow \frac{1}{kr}\sin\left(kr-\ell\frac{\pi}{2} + \delta_{\ell}(k)\right)             (13)

Escrevendo (13) em termos de exponenciais complexas e comparando com (10) é fácil ver que a matriz de espalhamento pode ser escrita em termos da diferença de fase causada pelo potencial, ou seja:

S_{\ell}(k) = e^{2i\delta_{\ell}(k)}             (14)

O fator 2 na exponencial em (14) aparece simplesmente pelo fato de, durante a manipulação algébrica, desejarmos manter a noção de que toda a informação de espalhamento está contida na onda emergente. O uso de defasagens torna a interpretação física do espalhamento mais simples. O número de onda k é proporcional à energia cinética da partícula, ou seja \sqrt{E-V(r)}. Se o potencial for atrativo, E-V(r)>E e, na região de potencial, a função de onda oscila com maior frequência espacial. Desse modo, em relação a uma partícula livre, na situação assintótica, a função de onda terá uma fase positiva, ou seja, \delta_{\ell}(k)>0. O contrário ocorre para um potencial repulsivo, fazendo \delta_{\ell}(k)<0. Um exemplo gráfico pode ser visto na figura 1. Medidas de defasagem, desse modo, permitem determinar a natureza atrativa/repulsiva do potencial de interação.

Figura 1 - Efeito do potencial na defasagem da função de onda.

Substituindo (14) em (12) pode-se mostrar que:

f(\theta) =  \sum_{\ell}{(2\ell+1)f_{\ell}(k) P_{\ell}(\cos\theta)             (15)

com

f_{\ell}(k) = \frac{1}{k}e^{i\delta_{\ell}(k)}\sin(\delta_{\ell}(k))             (16)

f_{\ell}(k) é chamada de amplitude de espalhamento parcial para a onda \ell. A partir de (2) podemos calcular a sessão de choque total de espalhamento. Nesse caso, devemos fazer:

\sigma = \int{\frac{d\sigma}{d\Omega}d\Omega} =   2\pi\int{\left|f(\theta,\phi)\right|^2\sin\theta\, d\theta}             (17)

O termo 2\pi surge da integral em d\phi. Substituindo (15) em (17), sabendo que o somente os polinômios de Legendre dependem do ângulo, e desprezando os termos cruzados por conta da ortogonalidade dos polinômios de Legendre, podemos escrever:

\sigma =   2\pi \sum_{\ell}{(2\ell+1)^2\left|f_{\ell}(k)\right|^2 \int{ \left|P_{\ell}(\cos\theta)\right|^2\sin\theta\, d\theta}             (18)

Sabendo que:

\int{ \left|P_{\ell}(\cos\theta)\right|^2\sin\theta\, d\theta} = \frac{2}{2\ell+1}             (19)

temos que:

\sigma =   \frac{4\pi}{k^2} \sum_{\ell}{(2\ell+1)\sin^2(\delta_{\ell}(k))}             (20)

A expressão acima mostra que a seção de choque total de espalhamento depende das defasagens impostas às ondas parciais devido ao potencial de interação. No limite de baixas energias, E \rightarrow 0, podemos simplificar (20). Nesse limite, devido à componente centrífuga do potencial, imposto pelo momento angular, somente \ell=0 pode contribuir para a seção de choque de espalhamento. Assim, para E \rightarrow 0, a seção de choque total de espalhamento fica:

\sigma_{E\rightarrow 0} =   4\pi \frac{\sin^2(\delta_{0}(k))}{k^2}             (21)

A seção de choque em (21) somente é finita em baixas energias se o termo senoidal tender a zero. Nesse caso, podemos simplificar (21) de modo à:

\sigma_{E\rightarrow 0} =   4\pi \frac{\delta_{0}^2}{k^2} = 4\pi a^2             (22)

o termo a = \delta_{0}/k é chamado de comprimento de espalhamento. Da mesma forma que para as defasagens temos a<0 para um potencial repulsivo e a>0 para um potencial atrativo.

Exercícios

  1. Mostre que escrever a matriz de espalhamento como em (14) implica que só há espalhamento elástico, ou seja, os fluxos de partículas incidentes e emergentes com mesmo vetor de onda são iguais.
  2. Mostre (15) a partir de (12).
  3. Ache a seção de choque de espalhamento em baixas energias para um potencial V(r) = \infty para r<R e V(r) = 0 para r>R. Dica: calcule o deslocamento de fase aplicando as condições de contorno para a função de onda nesse potencial para \ell=0.

Leitura recomendada

  1. Introdução à Física Nuclear, H. Schechter e C. A. Bertulani, capítulos 9.2 e 9.3.
Alexandre Tuesday 16 March 2010 at 9:34 pm | | FisicaNuclear

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