Alguns conceitos sobre medidas

Friday 02 March 2012 at 1:43 pm

Este texto corresponde à versão digital do capítulo da apostila de Introdução à Medidas em Física que eu e o Prof. Marcelo Munhoz escrevemos quando coordenamos a disciplina entre 2005 e aproximadamente 2007.

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Qualquer que seja o instrumento de medição, sua escala tem um número limitado de pequenas divisões. Logo, sua precisão é limitada na fabricação. Na maioria das vezes, a leitura do valor de uma grandeza é intermediária a dois traços consecutivos da escala. Como fazer a leitura nesse caso? Vamos dar como exemplo a medida ilustrada na figura 1.


Figura 1 - Exemplo de leitura de uma régua milimetrada.


A barra que está sendo medida tem uma extremidade ajustada no zero da escala e a régua é milimetrada. A outra extremidade da barra não coincidiu com nenhum traço. Qual o valor da medida? Podemos observar que ele é maior do que 2,7 cm e menor do que 2,8 cm. Portanto, a medida é 2,7 cm e mais alguma coisa, em centímetros. Quanto vale essa “alguma coisa”? Ninguém poderá responder, com certeza, o valor dessa alguma coisa, somente com esse instrumento. Diferentes pessoas poderão arriscar valores tais como 0,03 , 0,04 ou 0,05 sem contudo nenhuma delas estar mais certa do que as outras. É tão certo escrever 2,73 cm como 2,75 cm.

Toda grandeza possui um valor verdadeiro que é desconhecido por nós. O erro de uma medida é a diferença entre o valor da medida e o valor verdadeiro da grandeza em questão. Como não conhecemos o valor verdadeiro, o erro também é uma quantidade desconhecida. A incerteza é uma estimativa para o valor do erro. A melhor estimativa para o valor verdadeiro de uma grandeza, e sua respectiva incerteza, só podem ser obtidos e interpretados em termos de probabilidades. O formalismo utilizado para essa tarefa é chamado de Teoria de Erros. Leia o capítulo 2 da apostila “Introdução à Teoria de Erros”, de J. H. Vuolo, para uma explicação mais detalhada sobre os conceitos de valor verdadeiro, erro, incerteza e suas interpretações probabilísticas.

Voltando ao nosso exemplo, os algarismos 2 e 7 são exatos, enquanto 3, 4 ou 5 são duvidosos. Os algarismos certos e o duvidoso, avaliado pelo operador, são denominados algarismos significativos. Em 2,73 cm, os três algarismos são significativos sendo 2 e 7 certos ou exatos e 3 incerto ou duvidoso. Não seria correto escrever 2,735 fazendo uso da mesma escala. Isso porque, se o 3 é duvidoso, o 5 perde totalmente o sentido. Daí surge a regra: nunca escreva a medida com mais de um algarismo duvidoso. Leia o final deste texto e o capítulo 3 da apostila “Introdução à Teoria de Erros”, de J. H. Vuolo, para uma explicação mais detalhada sobre algarismos significativos.

Dissemos que tanto 2,73 cm como 2,74 cm ou 2,75 cm são maneiras igualmente corretas de escrever a medida do comprimento da barra do exemplo. Entretanto, o último algarismo da direita é duvidoso ou incerto. Essa incerteza é gerada pela própria escala do instrumento. Para tornar mais completa nossa informação a respeito da medida e respectiva incerteza, devemos escrevê-la seguida de um número que representa a incerteza devido à escala. De maneira geral, adota-se essa incerteza como sendo igual ao valor da metade da menor divisão da mesma. Portanto, nossa informação a respeito da medida do comprimento da barra estará completa quando escrevermos: L = (2,73 ± 0,05) cm, isto é, L ± ΔL, onde ΔL é a incerteza na medida. O valor de ΔL é também referido como sensibilidade ou precisão do instrumento, isto é, o menor valor que o mesmo pode fornecer ao operador.

Note que apesar de termos afirmado que a incerteza na leitura é representada pela metade da menor divisão da escala, essa não é uma regra rígida. Dependendo da familiarização do operador com a escala e do maior ou menor espaçamento entre os traços de divisão da escala, outros valores poderão ser tomados como incerteza na leitura.

Se ao medir uma grandeza, houver coincidência com um dos traços de menor divisão da escala, devemos ainda levar em conta a incerteza na leitura e escrever o zero duvidoso à direita dos demais algarismos significativos e certos da medida, como mostrado na figura 2.


Figura 2 -L = (2,50 ± 0,05) cm.


Algarismos significativos

O número de dígitos ou algarismos que devem ser apresentados num resultado experimental é determinado pela incerteza neste experimento. Apresentamos aqui o conceito de algarismo significativo e as regras práticas para apresentar um resultado experimental com sua respectiva incerteza, os quais devem ser escritos utilizando somente algarismos significativos.

Conceito de algarismo significativo

O valor de uma grandeza experimental, obtido a partir de cálculos ou medições, pode ser um número na forma decimal, com muitos algarismos significativos. Por exemplo,

0, 0 0 0 X Y ... Z W A B C D...


onde X, Y, ..., W são algarismos significativos, enquanto os algarismos A, B, C, D, ... não são algarismos significativos.

Algarismo significativo em um número pode ser entendido como cada algarismo que individualmente tem algum significado, quando o número é escrito na forma decimal.

Zeros à esquerda de um número não são algarismos significativos, pois os zeros à esquerda podem ser eliminados ao reescrevermos o valor da medida, por exemplo, 81 mm=8,1 cm=0,081 m. Por outro lado, zeros à direita de um número são algarismos significativos, pois não podem ser eliminados quando reescrevemos a medida.

O dígito estimado no valor de uma medida é chamado de algarismo significativo duvidoso. Os demais dígitos que compõem o valor da medida são chamados de algarismos significativos exatos. O valor de uma grandeza medida geralmente não possui mais do que um algarismo duvidoso, pois não faz sentido tentarmos avaliar uma fração de um número estimado.

Exemplo: Réguas com precisões diferentes

Na figura 3 temos a leitura de uma barra utilizando duas réguas distintas A e B.


Figura 3 -Representação de duas réguas com precisões diferentes.


Na régua A, a menor divisão é 1 cm e na régua B é 1 mm. Realizando a medida com a régua A, concluímos que o comprimento da barra está entre 5 cm e 6 cm. Realizando a medida com a régua B, esse valor está entre 5,3 cm e 5,4 cm. Dessa forma, utilizando a régua A, concluímos que o comprimento da régua é 5,X cm e utilizando a régua B, o valor é 5,3X cm.

Note que não é possível encontrarmos o valor verdadeiro de X.

O que podemos fazer é um “chute” criterioso. Por exemplo, podemos dizer que as leituras de A e B são 5,3 cm e 5,34 cm, respectivamente. Também podemos dizer que a leitura de A e B são 5,4 cm e 5,33 cm, respectivamente. Qual leitura é a mais correta?

A resposta é que ambas as leituras são corretas e uma avaliação não é melhor ou pior que a outra, já que a estimativa de X é subjetiva e varia de pessoa para pessoa.

Por outro lado, não seria razoável supor que A e B fossem 5,7 cm e 5,40 cm, visto que das figuras podemos ver claramente que A é menor que 5,5 cm e B é menor que 5,40 cm. Para a régua A a menor divisão é 1 cm e portanto, sua incerteza instrumental σA é σA= 0,5 cm, enquanto que para a régua B sua incerteza instrumental σB é σB= 0,5 mm.

Podemos representar as medidas A e B de diversas maneiras, por exemplo,

A: (5,3±0,5) cm, ou (0,053±0,005) m ou (53±5) mm.

B: (5,34±0,05) cm,ou (0,0534±0,0005) m ou (53,4±0,5) mm.

Note que no caso da leitura A, o valor da medida apresenta dois algarismos significativos independentemente da unidade utilizada e na leitura B, a medida apresenta três algarismos significativos. Isso nos permite fazer duas conclusões:

  1. O número de algarismos significativos da medida depende da precisão do instrumento utilizado.
  2. O número de algarismos significativos não depende do número de casas decimais.


Critérios de arredondamento

Quando realizamos operações aritméticas, necessitamos frequentemente arredondar os resultados obtidos, para que eles reflitam adequadamente a confiabilidade do valor. Isto é, arredondamentos são necessários para que os resultados tenham um número apropriado de algarismos significativos.

Quando um dos números tem algarismos significativos excedentes, estes devem ser eliminados com arredondamento do número. Se em um determinado número, tal como:

... W, Y X A B C D ...


Sendo W Y X algarismos significativos enquanto A B C D... são algarismos que por qualquer motivo devem ser eliminados. Dessa forma, o último algarismo significativo, ou seja, X deve ser arredondado aumentando em uma unidade ou não, conforme as regras a seguir:

  1. de X000... à X499..., os algarismos excedentes são simplesmente eliminados, ou seja, o arredondamento é para baixo.
  2. de X500...1 à X999..., os algarismos excedentes são eliminados e o algarismo X aumenta de 1, ou seja, o arredondamento é para cima.
  3. no caso X50000..., o arredondamento deve ser tal que o algarismo X depois do arredondamento deve ser par. Entretanto, muitas vezes nesse caso, arredondamos tanto para cima ou para baixo.